Acordo por fim do 'motim' une Centrão e bolsonaristas para blindar parlamentares do Judiciário
O acordo costurado entre líderes partidários para colocar fim ao motim da oposição no Congresso envolveu a negociação para votar uma pauta de blindagem dos parlamentares em relação ao Judiciário. A lista em discussão inclui o fim do foro privilegiado, que retira processos contra deputados e senadores do Supremo Tribunal Federal (STF), a necessidade de aval do Legislativo para que um congressista seja investigado, além de prisão apenas em casos de flagrante ou por crime inafiançável.
As propostas não são novas. Chegaram a ser discutidas durante a gestão do deputado Arthur Lira (PP-AL) na presidência da Câmara, mas nunca avançaram por falta de apoio. Agora, com a ofensiva da oposição contra as medidas judiciais impostas ao ex-presidente Jair Bolsonaro, líderes do Centrão avaliam ter maioria para aprová-las. A ideia é que essas pautas sejam discutidas em reunião na semana que vem, com a possibilidade de serem colocadas em votação na sequência. Parlamentares governistas, contudo, têm se manifestado de maneira contrária.
A costura que pôs fim ao bloqueio dos plenários da Câmara e do Senado, que durou cerca de 30 horas, foi intermediada por Lira. Em reunião no gabinete do ex-presidente da Câmara, onde o acordo foi selado, líderes do PP, PSD e União Brasil indicaram que podem apoiar a inclusão do projeto que prevê anistia aos condenados pelos atos do 8 de Janeiro na pauta de votações. A medida é uma das principais bandeiras da oposição na Casa, que quer usar o texto para livrar Bolsonaro da ação penal por tentativa de golpe de Estado e reabilitar seus direitos políticos (leia mais na página 6).
Em troca, além do apoio ao pacote de blindagem, participantes do encontro afirmaram que a oposição se comprometeu a não atrapalhar a tramitação do projeto de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, texto relatado pelo ex-presidente da Câmara.
‘Inegociável’
Ao tratar na quinta-feira do assunto, Motta demonstrou desconforto com as declarações de parlamentares que atribuíram o armistício da oposição à votação de propostas de interesse do grupo.
— A presidência da Câmara é inegociável. A negociação feita pela retomada (do plenário da Câmara) não está vinculada a nenhuma pauta. O presidente da Câmara não negocia prerrogativa com oposição, governo, ninguém — disse Hugo Motta pela manhã, ao chegar ao Congresso.
Em entrevistas ao longo do dia, contudo, o presidente da Câmara disse que respeitará a decisão do colégio de líderes e “a vontade da maioria” da Casa.
O líder do PL, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), chegou a afirmar na noite de terça-feira que Motta havia “abençoado” o acordo que envolvia a discussão sobre anistia. Na quinta-feira, porém, recuou e pediu “perdão” ao presidente da Câmara.
— Num dia como ontem (anteontem), não há vencedores ou vencidos. O presidente Hugo não foi chantageado por nós e não assumiu compromisso com nenhuma pauta. Os líderes dos partidos que assumiram (compromisso) foram PSD, União Brasil e Progressistas — afirmou. — Eu não fui correto e te peço perdão, presidente.
Apesar da resistência de Hugo Motta, uma parte do Republicanos, seu partido, também acena favoravelmente às iniciativas. É o caso do próprio presidente do partido, deputado Marcos Pereira (SP).
— Se pautar a anistia ou o fim do foro privilegiado, não teremos como votar contra — disse o deputado.
Segundo lideranças da Câmara, contudo, o acordo sobre o projeto de anistia é incluir o tema entre as discussões do colégio de líderes, sem um compromisso com sua aprovação. No início do ano, a oposição reuniu as assinaturas necessárias para pautar a urgência do texto no plenário da Casa, mas Motta resistiu e o tema foi deixado de lado.
A retomada das discussões sobre o foro privilegiado e a chamada Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Blindagem ocorre no momento em que o STF amplia o cerco sobre irregularidades envolvendo emendas parlamentares.
No início de julho, uma operação da Polícia Federal vasculhou o gabinete do deputado Junio Mano (PSB-CE), suspeito de envolvimento em um esquema que usava recursos públicos para abastecer campanhas eleitorais de aliados em municípios cearenses. O parlamentar negou qualquer irregularidade e afirmou que a “sua correção de conduta” será “reconhecida” ao fim da investigação.
O caso, porém, não é isolado. Segundo integrantes da Corte, há cerca de 80 inquéritos e procedimentos abertos para apurar desvios de emendas, distribuídos entre ministros do tribunal.
O cerco judicial sobre o tema preocupa lideranças no Congresso, especialmente diante da possibilidade de medidas cautelares contra parlamentares, como quebras de sigilo ou buscas autorizadas pelo STF. Essas apurações também são parte do mal-estar entre os Poderes que teve diversos capítulos nesse ano. Reservadamente, ministros da Corte avaliam que a tensão recente entre o Judiciário, o Congresso e o Executivo tem como pano de fundo o avanço das apurações.
Atualmente, investigações envolvendo os congressistas são analisadas pela Corte caso sejam relacionadas a atos cometidos durante o mandato parlamentar. Uma PEC que acaba com essa regra já foi aprovada no Senado em 2017 e está pronta para ser analisado pelo plenário da Câmara.
A intenção de oposicionistas é mudar o texto original da PEC para incluir um dispositivo que possa evitar o julgamento de Bolsonaro no STF — o caso dele corre na Corte por ter acontecido enquanto ele ocupava a Presidência e tem previsão de ser julgado em setembro. Juristas avaliam, porém, que uma mudança não deve tirar o caso da trama golpista, do qual ele é réu, do STF (leia mais na página 8).
‘VAR' para punição
Apesar de a desobstrução do plenário da Câmara ter ocorrido após acordo entre líderes, Motta indicou na quinta-feira que a Câmara pode punir parlamentares que participaram do protesto. O PT entrou com uma representação no Conselho de Ética em que pede a punição do deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS), que resistiu a desocupar a cadeira que Motta usa para conduzir a sessão.
Ao portal Metrópoles, Motta disse que vai rever as imagens para avaliar a possibilidade de suspender o mandato de parlamentares que integraram o motim.
—Estamos avaliando, é uma decisão conjunta da Mesa, para que a partir daí possamos nos manifestar, mas está sim em avaliação a possibilidade de punição a alguns parlamentares que ontem se excederam do ponto de vista a dificultar o início dos trabalhos —disse ele.
O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário