08/04/2024

A MORTE DA JUSTIÇA - POR J. R. GUZZO

A morte clínica da justiça

Entra na cabeça de alguém que um ministro da suprema corte de Justiça de uma sociedade civilizada proíba, com papel assinado e tudo o mais, que um cidadão preso por sua ordem receba uns gibis de palavras cruzadas para se distrair um pouco na cadeia? É um espanto, antes de mais nada, que um ministro do Supremo Tribunal Federal, como acontece neste caso, tenha de decidir um negócio de insignificância tão espetacular. Palavras cruzadas? O que o mundo diria, por exemplo, se um justice da Suprema Corte dos Estados Unidos estivesse se metendo oficialmente com joguinhos de caça-palavra? Mas o que realmente desafia a imaginação humana é a ideia do ministro Alexandre de Moraes, o responsável por mais este ato revolucionário no Direito Penal do Brasil e do mundo, de que proibir o acesso dos presos ao passatempo das palavras cruzadas (e do sudoku; ele vetou também o sudoku) possa ser mais um ato de “defesa da democracia”.

É de fato um fenômeno, mas é o que acaba de acontecer, exatamente, com oficiais do Exército Brasileiro que estão presos por suspeita de terem participado do “golpe de Estado” mais notável da história universal. É este mesmo que você já conhece há tanto tempo: o golpe que não foi dado, nem organizado, nem planejado, e do qual o momento de maior ousadia foi a possibilidade, nunca executada, de pedir ao Congresso a aplicação do estado de defesa previsto no artigo 136 da Constituição Federal, logo após as eleições de 2022. Como é da natureza dos absurdos gerar outros absurdos em série, o absurdo do golpe está gerando os absurdos da punição. Chegamos, agora, à proibição das palavras cruzadas e do sudoku para os “golpistas”. Golpista não tem direitos civis, a começar pelo de defesa. Não tem direito a tratamento médico de urgência e morre no pátio da prisão. Não pode receber anistia. Não pode fazer palavras cruzadas.

O que mais chama a atenção nesse desvario não é propriamente o fato de que os golpistas jamais deram golpe nenhum — num extremo de alucinação, a Polícia Federal chegou a apresentar estilingues e bolas de gude como as armas do “golpe do 8 de janeiro”. (De novo: não há registro na história universal do uso de estilingues para se tomar o governo.) Não é o fato, patentemente ilegal, de estarem sendo julgados no STF. Não é, nem mesmo, o ministro Moraes; é exatamente coisa desse tipo que se pode esperar dele. O que realmente faz o Brasil viver hoje um dos seus piores momentos de vergonha é a postura passiva, talvez cúmplice, dos santuários da sociedade civil, de quase toda a mídia e de toda a elite “que pensa” diante do crescente desequilíbrio mental da nossa “suprema corte”, como diz Lula. O ministro e o STF estão dizendo que a prova dos nove vale menos que a prova dos dez, ou algo assim — e o Brasil de 2024 engole, em silêncio.

Que nexo faz pagar R$ 900 milhões por ano (isso se der tudo certo até dezembro) para sustentar um Supremo Tribunal Federal que dá a si próprio o direito de decidir sobre palavras cruzadas e jogos de sudoku? É isso a “suprema corte” do Brasil? O pior é que é mesmo — ou dá para achar, honestamente, que não é? Não há como acreditar que a proibição de Alexandre de Moraes possa ajudar em alguma coisa a segurança pública do país, a garantia das “instituições” ou a paz dos demais 200 milhões de cidadãos brasileiros. E a “execução do processo penal”, como eles vivem dizendo — será que é preciso vetar gibis para ser garantida? Os oficiais presos poderiam usar as cruzadas para fugir do Brasil, por exemplo, ou asilar-se na Embaixada da Hungria? Serviriam para intimidar testemunhas, ocultar provas ou prejudicar “as investigações” do “golpe”? Não é nada disso, obviamente. O que é, então? É isso mesmo que você está pensando.

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