04/07/2021

HOMOAFETIVIDADE: UNIÃO ENTRE HOMOSSEXUAIS CHEGA A 257 NO RN

RN tem 257 uniões entre homossexuais

No dia 5 de maio de 2011, os 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram de forma unânime reconhecer as uniões homoafetivas como entidades familiares no Brasil. Uma década depois, a decisão ganha peso em um contexto no qual muitas famílias formadas por pessoas LGBT+ sentem avançar discursos de ódio e intolerância no país. Mais do que um recurso para permitir "toda forma de amor”, a decisão garante aos casais o acesso a uma série de direitos negados por anos, como acompanhamento em hospitais, direitos de sucessão e previdenciário, benefícios fiscais e adoções.

Dados da Associação dos Notários e Registradores do RN (Anoreg-RN) apontam que, desde o estabelecimento da união estável em 2011, o Rio Grande do Norte teve 257 uniões homossexuais registradas. Os números caíram desde o começo da pandemia e, até o momento, 2021 registrou o menor número de uniões desde a conquista do direito, com 8 uniões celebradas.

O reconhecimento da união estável homoafetiva abriu as portas para a conquista de outros direitos: dois anos depois, em 2013, uma resolução do Conselho Nacional de Justiça determinou que nenhum cartório poderia rejeitar a realização de casamentos homoafetivos no Brasil. Até então, os casais precisavam entrar na Justiça para garantir o direito e, a depender do local onde o casal morava, poderia ter negado seu direito ao casamento pelo cartório.

Após a decisão, muitas uniões estáveis se converteram em casamentos - que explodiram após a eleição do presidente Jair Bolsonaro, em 2018.

Segundo a Pesquisa de Registro Civil feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no ano de 2018 o RN bateu o recorde de casamentos celebrados entre casais LGBT até então. Foram 114, 60,5% a mais em relação ao ano anterior. Em 2019, o recorde foi batido: foram 124 casamentos homoafetivos celebrados no Estado. Em reportagem publicada na TRIBUNA DO NORTE em maio de 2019, muitos dos casais relataram que o medo de perder direitos foi um dos principais motivadores para oficializar as uniões.

Coordenadora de Diversidade Sexual e Gênero da Secretaria de Estado das Mulheres, Juventude, Igualdade Racial e Direitos Humanos (SEMJIDH), Janaína de Lima, explica que a decisão veio para reconhecer juridicamente uma realidade já existente no Brasil. "No debate público, essas famílias não existiam. Só existia a família representada pela concepção heteronormativa, mas a verdade é que a família 'não-tradicional' sempre existiu no Brasil. Reconhecer que essa família existe é um passo para reconhecer e compreender a realidade da população LGBT no Brasil".

Segundo a coordenadora, que também preside o Comitê Estadual Intersetorial de Enfrentamento à LGBTfobia, a partir dessa decisão, ampliou-se a possibilidade de coletar dados e informações para entender melhor a realidade dessas famílias. “Um dos grandes obstáculos para a formulação de políticas públicas para a população LGBT como um todo é a carência de dados sobre essa parcela da população. Isso é mais um caminho para mapear esse aspecto da realidade brasileira”, completa Janaína.

“O que nós queremos é ter uma relação com os mesmos direitos de qualquer outra.”

Apesar de já ter tido relacionamentos longos em outros momentos da vida, foi apenas depois de conhecer Marielle Galvão que a enfermeira Raquel Gurgel, de 39 anos, cogitou a possibilidade de deixar a casa da mãe para viver com outra pessoa.

Assim como Raquel, Marielle, que tem 40 anos, é enfermeira. Elas se conheceram quando ambas trabalhavam juntas no Serviço Móvel de Atendimento de Urgência (SAMU). “Nossa história começou ali. Estávamos na mesma unidade e aquele sentimento foi surgindo”, conta Raquel. Nove meses após o começo do relacionamento, Raquel decidiu deixar a casa da mãe.

Empregadas e com renda fixa, o casal fez planos para comprar o primeiro apartamento em conjunto. Foi neste momento que perceberam que oficializar a união seria um passo importante para conseguirem realizar o sonho. “A gente viu que ter acesso ao plano odontológico, comprar o apartamento junta… tornava-se tudo mais prático se tivéssemos o casamento oficializado”, relata Raquel.

O casal decidiu casar em 2020, mas, com a chegada da pandemia ao Brasil, os planos tiveram de ser adiados. “Chegamos a remarcar para março de 2021, mas aí aconteceu mais uma onda, e então decidimos apenas oficializar a união civil e deixar a festa para fazer separada quando a situação estivesse melhor”.

Hoje, já casada, a enfermeira é categórica ao dizer que o que busca em sua relação não é diferente de qualquer outra: companheirismo e amor. “O que nós queremos é ter uma relação com os mesmos direitos de qualquer outra. É amar igual às outras pessoas, sem precisar nos esconder, sem ter vergonha do nosso amor”, destaca Raquel.

“Se acontecer qualquer coisa, quero que ela esteja assegurada”

Quando se conheceram a partir de amigos em comum na cidade de Assu, no interior do Rio Grande do Norte, em 2017, Letícia Silveira, de 21 anos, e Marília Padilha, de 27, não imaginavam que se apaixonariam e, três anos depois, passariam a viver juntas em Caicó. Mas foi a mudança para a cidade, onde não tinham família ou muitos amigos de longa data, que motivou o casal a procurar oficializar a união. “Aqui, estávamos ‘sozinhas’, e vimos que precisávamos garantir legalmente que ambas estivessem amparadas caso acontecesse algo com a outra”, explica Marília.

Servidora federal, ela conta que a união estável abriria uma série de portas que o casal considerava importantes naquele ponto da relação, como poder incluir Letícia na lista de dependentes do plano de saúde ou como acompanhante no serviço médico. “Se acontecesse algo com ela e ela precisasse ir ao hospital, seria muito mais simples no meu trabalho garantir que eu pudesse estar presente para acompanhá-la, por exemplo”, afirma.

O reconhecimento, diz Letícia, se faz necessário em um mundo no qual muitos ainda deslegitimam as relações entre mulheres. “Quando acontece algo, só temos uma a outra aqui, então não podemos arriscar não ter um documento legal comprovando nossa união, porque sabemos que infelizmente a legitimidade que é dada aos casais heterossexuais não é a mesma dada aos casais LGBT”.

O casal, por hora, não tem planos de converter a união estável em casamento. “O que nós queríamos era ter a nossa família reconhecida. Uma é a base da outra aqui, e é importante que exista esse dispositivo para que a gente não perca acesso a nenhum direito por não ter uma família dita tradicional”, disse Letícia.

“Vimos que era mais do que uma questão de desejo: era uma necessidade cidadã”

Foi exatamente há uma década, no mesmo ano em que o Supremo Tribunal Federal reconheceu as uniões homoafetivas como entidades familiares no Brasil, que o servidor público Victor Varela, de 33 anos, conheceu o professor universitário Felipe Coelho Lima, de 32. Naquela época, os dois buscavam a mesma coisa: o oposto de uma relação séria. Os planos, no entanto, não saíram como planejado: Victor e Felipe acabaram se apaixonando. “A gente não queria nada sério, mas, desde que nos encontramos, não nos soltamos mais”, diz Victor.
Dez anos depois, o casal não se largou. Apesar de viverem em união estável desde 2015, no começo de 2020, Victor e Felipe celebraram o casamento civil ao lado de amigos e familiares, pouco antes da chegada do Coronavírus ao Brasil.

A decisão de casar não foi simples para o casal. “Por muito tempo, pensamos se casar fazia sentido para nós, porque nós sempre fomos um casal muito tranquilo e muito forte. Não era um desejo tão forte mas, depois de muito refletir, vimos que se tratava de mais do que uma questão de desejo: era uma necessidade cidadã”, explica Victor.

De acordo com ele, além de garantir seus direitos, o casal queria mostrar especialmente a outros LGBTs que era possível amar, constituir uma família e encontrar a felicidade. “Era algo simbólico e importante para construir essa referência para outras pessoas. Mostrar que sim, existimos, e que é possível”.

TN

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