O vinho que Lula quer oferecer na COP30 não é vinho
Em uma entrevista recente, Lula disse que pensa seriamente em fazer uma surpresa etílica às autoridades estrangeiras. Segundo ele, nenhum dos convidados do evento vai precisar tomar vinho francês, italiano ou espanhol. “Eles vão tomar vinho de açaí”, prometeu o presidente, defendendo a escolha como uma forma de prestigiar os produtos da Amazônia.
Não se sabe ainda se a ideia realmente irá para frente, mas uma coisa é certa: a rigor, o vinho que Lula quer servir às autoridades estrangeiras na COP30 não é vinho. Por definição, vinho é o suco (mosto) fermentado de uvas, sejam vitis viníferas, responsáveis pelos vinhos finos, que é a denominação usada para os secos, ou vitis americanas, que faz os vinhos de mesa, ou suaves (doces). O que presidente anunciou que vai servir é uma bebida fermentada de fruta, no caso de açaí, produzida no Macapá (AP), no sítio Flor de Samaúma, pelo ex senador João Capiberibe.
Antes que os brasilianistas ferrenhos venham apedrejar esta colunista, aviso que não provei, mas fiquei curiosa e interessada no projeto. Segundo análises da Embrapa Agroindústria Tropical, do Ceará, a bebida apresenta características físico-quimicas e sensoriais semelhantes a alguns vinhos tintos. Sensorialmente, o Açaí Tinto teve aprovação de 50 provadores, que são consumidores habituais de vinho, segundo os testes da entidade. “Apesar de não ser um vinho de uva, a bebida de açaí está na faixa de acidez apresentada pelos vinhos de uvas Touriga Nacional, Tempranillo e Petit Verdot”, observou Gustavo Saavedra, chefe-geral da Embrapa Agroindústria Tropical.
O interesse de João Capiberibe por vinho começou quando esteve exilado no Chile, com a mulher Janete e os três filhos pequenos. A família morou em Talca, na região de Maule, em duas vinícolas. “Nós fazíamos o nosso vinho com as uvas que sobravam das carretas que levavam a safras colhidas para as bodegas”, lembra. Assim, tornou-se um bebedor de vinho habitual. Na pandemia, ele recebeu de um amigo um vinho feito de açaí, produzido por um mestre cervejeiro do Acre, e naquele exato momento decidiu iniciar os testes para ele mesmo produzir a bebida.
A fabricação se inicia com a extração da polpa do açaí, uma espécie de moagem, igual a que se faz para aquele que se come com granola. Depois, para fazer o mosto, acrescenta-se água, açúcar e leveduras. A fermentação pode levar de suas a três semanas e, após esse período, a bebida envelhece em tanque com chips de madeira de carvalho francês. “Testamos com barris de carvalho, mas não funcionou”, conta o enólogo da floresta. Atualmente, João também oferece cursos de produção de vinho para a população ribeirinha. “A floresta em pé sempre foi a minha bandeira, fazer esse vinho é uma maneira de parar de exportar riqueza e ficar com a pobreza”, diz.
Hoje, o empreendimento conta com 10 rótulos, oito feitos de açaí e dois brancos, um de cupuaçu e taperabá. Os secos Amazônia, sem envelhecimento, custam R$ 64,90, e o Curupira, que está há um ano e quatro meses envelhecendo, sai por R$ 150. A fazenda, que também faz passeios ecológicos, costuma receber muitos franceses encantados com a floresta. “Na hora de provar o vinhos, eles chegam de nariz arrebitado, mas logo ficam surpresos”, conta João.
Em tempo: apesar da declaração de Lula prometendo servir vinho de açaí, até agora não houve nenhuma encomenda para abastecer a COP30. O produtor ainda não perdeu as esperanças. “Eu tenho aqui prontas pelos menos 3.000 garrafas, espero vender todas pra ele”, diz João. Como último apelo, ele faz questão de citar o passado político: sim, ele já votou algumas vezes no presidente.
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