Condenação de Bolsonaro consuma o arbítrio judicial, diz Gazeta do Povo
A formação de maioria no no Supremo Tribunal Federal (STF) pela condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus por suposta tentativa de golpe de Estado era previsível. As sentenças representam um marco histórico, “mas não no sentido positivo que alguns pretendem celebrar”, diz um editorial do jornal Gazeta do Povo publicado nesta sexta-feira, 12.
A fixação das penas foi simplesmente a etapa final da institucionalização da violação do devido processo legal no Brasil, destaca o jornal. “É o ápice da transformação de um tribunal, que deveria ser guardião das garantias fundamentais, em mero palco de justiçamento político, selando um precedente de erosão das liberdades jamais visto e que, ninguém se iluda, não se limita à figura de um ex-presidente e seus aliados.”
O devido processo legal não é um detalhe formal, acrescenta o texto, mas o alicerce de qualquer Estado Democrático de Direito. O respeito a tais precedentes constitui a essência do pacto civilizatório que separa Justiça de justiçamento. Ao relativizar garantias, o STF não apenas compromete a legitimidade de suas decisões, mas semeia o fim da confiança pública na existência de segurança jurídica no país.
Em vez de ser lembrado como reafirmação da democracia, o julgamento do ex-presidente da República se tornará um caso de estudo sobre como as instituições podem se afastar de sua missão para servir a propósitos de ocasião, prevê a Gazeta do Povo. “Os vícios do processo e do julgamento de Jair Bolsonaro são múltiplos e inescapáveis”, como testemunhado pelo ministro Luiz Fux, único a divergir de forma clara e reconhecer os erros que maculam a ação.
Conforme destacou o ministro, a incompetência do STF para julgar a ação contra os oito réus, dada a ausência de prerrogativa de foro, foi apenas uma das evidências de que processo nasceu contaminado pela quebra do juiz natural. Além disso, Fux destacou o cerceamento da defesa diante do volume descomunal de provas, superior a 70 terabytes, acompanhado de prazo curto para análise.
A ausência de unanimidade no julgamento também exige destaque. O voto de Luiz Fux destoou enfaticamente da maioria, o que consiste em um raro respiro de racionalidade no STF. O ministro condenou apenas os casos em que identificou início de execução de crime e rejeitou a criminalização de atos de preparação. O posicionamento minoritário não apenas reforça a gravidade da condenação, como também expõe o isolamento da legalidade em meio ao clima de justiçamento que se instalou na Corte.
Parcialidade e fragilidade de provas marcam julgamento de Bolsonaro
A parcialidade do relator, Alexandre de Moraes, acrescentou uma camada ainda mais grave de ilegitimidade ao julgamento de Bolsonaro, diz a Gazeta. O ministro introduziu em seu voto vídeos editados que nem sequer constavam nos autos, formulou indagações como se fosse parte acusatória e se valeu de delações premiadas sob suspeita de coação.
“Moraes assumiu um papel incompatível com o de magistrado, conclui a Gazeta do Povo. “Um juiz não pode ser, ao mesmo tempo, investigador, acusador e julgador. Quando isso acontece, o processo deixa de ser jurídico para tornar-se político.”
A fragilidade das provas também chama atenção. Punem-se atos preparatórios, cogitações e discursos que jamais se converteram em ação concreta, como também destacou Fux em seu voto. Minutas de decretos não passam de rascunhos descartados, frisa o editorial. Reuniões ou conversas não equivalem à execução de um crime.
“Ao criminalizar inconformismo político e manifestações desarmadas de eleitores, o STF transformou o Direito Penal em ferramenta de intimidação e ampliou o alcance do arbítrio estatal.”
Assim, “a condenação de Bolsonaro não é o triunfo da Justiça; é, antes, a sua derrota simbólica – e a derrota do próprio Estado de Direito”, conclui a Gazeta do Povo. “A nefasta lição transmitida à sociedade é inequívoca: as regras podem ser dobradas, reinterpretadas ou ignoradas em nome de uma ‘causa maior’ – a defesa da democracia, tão citada pelos ministros da Corte.”
Gazeta do Povo
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