19/03/2023

ENTREVISTA/TN: JUÍZ DA VARA DE EXECUÇÕES PENAIS/RN DIZ QUE 'O ESTADO NÃO PODE ACEITAR SER EXTORQUIDO'

'Estado não pode aceitar ser extorquido', diz juiz Henrique Baltazar

O juiz titular da Vara de Execuções Penais, Henrique Baltazar, considera que a recente onda de ataques registrada no Rio Grande do Norte representa uma tentativa de que facções criminosas assumam o controle do sistema penal. Para ele, é preciso que as forças de segurança resistam. “O que não pode é o Estado aceitar a ser extorquido e recuar dos trabalhos que têm sido feito e que tem garantido o sistema prisional funcionando nos últimos tempos”, aponta.

Em entrevista à TRIBUNA DO NORTE, ele comenta sobre a expansão das facções. O juiz não acredita que o Sindicato do Crime possuam 4 mil membros, ao contrário do que declara a Polícia Civil. “Mas mesmo que seja um quarto desse número seria muito alto e precisa ser combatido pelo Estado”, conclui.


- Como é que o senhor vem acompanhando toda essa crise aqui no estado e qual a avaliação da nossa situação aqui hoje?

De 2010 a 2017, o estado saiu permitindo ao presos assumirem o controle das unidades prisionais e depois daquela rebelião de 2015, as grandes foram arrancadas das celas e os presos passaram a controlar o sistema. Nos presídios, o Estado controlava os muros e o interior era controlado pelos presos. Depois da rebelião de 2017, o Estado assumiu o controle do sistema e impossibilitou o posicionamento daquilo que o pessoal costumava chamar de escritório do crime dentro dos presídios.

Não tinha mais como funcionar o controle do crime de dentro dos presídios. Não tinha mais aquela história de pessoas levando informações importantes e os chefes das facções dos presos foram perdendo a força sobre os seus comandados. Eles querem assumir o controle dos presídios para voltar aquela situação que eles tinham e foi desmanchada desde 2017 e mantida nos últimos anos sob o controle do Estado, mas eles querem é coordenar o crime normalmente dentro do presídio.


- Mas agora que a situação da segurança está em descontrole, o que falta para o Estado enfrentar esses criminosos?

O Estado infelizmente sempre é mais burocrático e não consegue ser tão rápido como gostaria. Primeiro era necessário que os órgãos de Segurança Pública se antecipassem. Eles não conseguiram, principalmente nos primeiros dias. Aí tem que ser agora na forma reativa e está acontecendo. O Ministério Público está buscando a transferência dos líderes desses movimentos para os presídios federais, a Polícia Civil está começando a investigar esses casos para prender estes autores dos crimes, a Polícia Militar e a Força Nacional começando a voltar a ter controle das ruas O que não pode é o Estado aceitar a ser extorquido e recuar dos trabalhos que têm sido feito e que tem garantido o sistema prisional funcionando nos últimos tempos.


- O que vem se falando atualmente para justificar esta onda de ataques é que os criminosos estariam reclamando de possíveis maus -tratos nas cadeias, torturas. O MP fala na tentativa desses criminosos de reaverem regalias. O que o senhor pensa sobre isso?

O que se divulga, o que vemos nas redes sociais é uma busca de uma série de regalias e há outras reclamações. Não sei se há um mal estar sempre presente, ou se há torturas. Nós temos situações pontuais que têm sido identificadas e quando consegue se provar alguma coisa algumas, providências têm sido buscadas. Uma ou outra situação de caso de de preso ter sido agredido dentro de presídio, se busca identificar, o Estado busca providências, como mudança de gestores de unidades prisionais quando se identifica situação de maus-tratos. Essas ações têm sido realizadas, até porque o estado não pode compactuar com crime.

Quanto à situação da comida, apesar da quantidade fornecida ser até mais de 600g, por exemplo, o almoço é razoável, agora a qualidade não posso atestar. Escutamos que algumas vezes a comida possa estar podre ou azeda, mas em todas às vezes que fui em presídios não constatei a situação. Sei que a comida é feita fora dos presídios e em locais distantes, então é possível acontecer. Mas seria fácil o Estado resolver e estudar uma forma da comida ser feita nos próprios presídios ou em locais mais próximos.


- Outro problema flagrante aqui do nosso Estado é em relação à superlotação nas unidades. O que o Senhor tem de informação a respeito?

Não há a superlotação, o que há é a falta de vagas. Os presídios não são suficientes para a quantidade de presos que têm. Depois de 2017 quando houve rebelião foi reduzido o número de presídios para que o Estado pudesse controlar melhor. O que que precisa é mais vagas. Foi construída nos últimos anos a cadeira de Ceará-Mirim, depois um pavilhão grande, lá em Alcaçuz. Foi feita a ampliação lá de Mossoró, mas continua tendo a necessidade. Se o Estado já tinha um déficit de milhares de vagas, este déficit ainda não foi superado. Nesta crise atual, todo os dias dezenas de pessoas são presas, ou seja, só quantidade de pessoas que foi presa nos últimos dias, já dá um pequeno presídio. Não podemos ficar vários anos sem abrir vagas. É necessário todo ano abrir vaga no sistema. Então, a superlotação decorre principalmente porque não há vagas. Ao construir presídios, o problema da lotação desaparece porque os preços são distribuídos nessa nova unidades


- O senhor tem tem informação de quantos mandados a gente tem hoje em aberto? Ou seja para serem cumpridos relacionados a integrantes dessas facções?

O banco de mandados está sendo atualizado aqui no estado, no país inteiro. Na verdade, o CNJ constatou que o Banco Nacional de Monitoramento de Prisões tinha falhas nos lançamentos e estão sendo atualizados. Então, a gente não não tem como saber quantos mandados de prisão há hoje em aberto realmente. E tem pessoas que tem três ou quatro mandados de prisão, fica difícil até calcular.


- O senhor tem algum a estimativa do tamanho do sindicato do crime? Aqui no estado, recebemos um número que diz uma estimativa torno de quatro a seis mil membros. O Senhor confirma esse número?

Eu acho que esse número é irreal. Por exemplo, um sindicato organizado como PCC, que o preso paga uma mensalidade; eles têm um controle total de membros. Eles controlam as chamadas “quebradas” em todo o Estado, mas eu duvido muito que seja esse número aí. Há simpatizantes e até pode ser que chegue a esse número, mas não acho que seja essa quantidade toda de de membros. Mas mesmo que seja um quarto desse número seria muito alto e precisa ser combatido pelo Estado.


- O senhor já deu uma uma introdução muito detalhada, sobre o que acredita ser as motivações desses ataques, como cobranças de regalias transferência de presos do sindicato para presídios federais. Mas o senhor acha que a motivação pode ser essas duas situações ou acredita em outro elemento?

Na transferência de presos não. A quantidade de presos que temos em presídios federais é muito pequena. Mas é claro que agora durante os incidentes estão sendo transferidos alguns porque já estão envolvidos nos movimento. O movimento não foi ocasionado pela transferência e sim as transferências estão sendo ocasionadas pela crise. Mas isso não foi a causa original. A causa original eu continua entendendo que seja essa série de regalias, que na verdade não são bem regalias, pois se dirigem ao interesse de assumir o controle do sistema prisional. Mas também como coloquei algumas reclamações podem até serem justas, como melhorias na alimentação, melhor atendimento médico dos presídios, até porque o Estado tem obrigação de dar condições.

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