13/11/2022

'TÃO GRANDE NOME' - POR DR. RICARDO SOBRAL *ADVOGADO

Tão Grande Nome

* Por Ricardo Sobral, advogado.

Em Florença,  vizinho ao túmulo de Michelangelo, encontra-se o de Maquiavel, o pai da ciência política moderna.

O gênio do renascimento definiu o homem como um ser dotado de disposição nata para praticar o bem a si e aos outros, embora tenha alertado o Principe de que este vale pelo mal que pode fazer.

Na última morada de Maquiavel vê-se a lápide

"Tanto nominal nullum por elogium" (tão grande nome nenhum elogio alcança).

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Tendo falecido no distante 1889, encontrei no vale apenas dois ou três  contemporâneos de  José Ribeiro Dantas Sobrinho, o Zumba do Timbó. 

Eram criancas, quando Zumba era vivo. Só souberam informar por ouvir dizer. Assim, posso dizer que só obtive  relatos de quem alcançou quem com ele conviveu.

Ouvi informações interessantes. Algumas, sopesei com o coador da dúvida,  pois não se harmonizam com o contexto geral. 

Dificilmente, algo de monta que tenha sido publicado sobre ele tenha escapado do ingente esforço que tenho imprimido ao longo de décadas as minhas pesquisas sobre o maior empreendedor do Rio Grande do Norte no século XIX.

Sem duvida, guardadas as devidas proporções macro-econômicas interregionais, Zumba foi o nosso Irineu Evangelista de Souza - o Barão de Mauá  (tinha um faturamento maior do que as receitas do Império).

Lí muitos elogios, inclusive de Cascudo em uma das suas "acta diurna".

Entretanto, o maior elogio a Zumba que encontrei foi escrito por Maria Madalena Antunes Pereira, "in" Oiteiro (Memórias de uma Sinhá Moça), Coleção " Nísia Floresta", Biblioteca da Casa "Euclides da Cunha", Irmãos Pongetti - Editores, Rio de Janeiro, 1958, pág. 174,  "verbis":

"Ainda hoje o "cirio branco" conserva-se ereto no meio das ruínas do Timbó, marco da primeira riqueza açucareira de Ceará-Mirim,  auxiliada pela maior escravatura que o vale possui, guiada pela inteligência, cultura e firmeza dos seus primitivos donos, nos quais recaiu a injustiça de uma propalada crueldade que se assemelha às casas de correção de hoje..."

Existe maior elogio: "primeira riqueza,  inteligência,  cultura e firmeza"?

Madalena ainda denuncia a "injustiça de uma propalada crueldade".

Fico com Madalena.

O Brasil foi o último pais Ocidental a abolir a escravidão, em que pese ser ela ainda hoje tolerada em pelo menos dois países no mundo, mas isso já é outro assunto.

Qualquer brasileiro que pesquisar sobre seus antepassados - a genealogia é uma ciência  - vai descobrir que ou é descendente de escravo, ou é descendente de proprietário de escravo  ou é descendente de escravo que se tornou proprietário de escravo.

A coisa mais natural, na época, era ser proprietário de escravo. Até em Palmares havia escravos. Lá só era livre quem chegasse por seus próprios pés, fugindo. 

Hoje, se alguém pedir um bolo nega maluca na padaria da esquina corre o risco de sair preso.

Em 1958, 70 anos após a abolição oficial,  Madalena, da fina flor da aristocracia cabocla do vale - em que pese sua afeição infantil por Patica e Tonha -, nascida em 1880, quando praticamente não havia mais escravos no vale,  em seu importante livro, marco do memorialismo regional, utilizou -se de expressões  como:

- A negra Virgínia coava o café na cozinha...

- De gênio bom e serviçal...

- fez parte do dote...

- As astúcias da negrinha...

- A negrinha, requebrando-se toda...

Madalena é de uma sinceridade à toda prova.

Relata que certa noite acordou com os gritos de Tonha, que havia fugido sonhando com os briantes de Olindra. 

Tonha fora capturada à noite já nas Imburanas.

Estava levando uns "sopapos".

O Sonho de Tonha, pra mim, é o maior sonho da literatura brasileira. 

O sonho da  cachorra baleia com preás gordos é diminuído pelo azinhavre ideológico.

Interessante ainda registrar, que aqui e acolá, falam da Balbina pregando orelha de escrava, mesmo que Madalena atribua o feito a dona Joaquina (pág. 66); mas não se vê uma só referência a "dona Dondon, que queimava as negras com o ferro de engomar em braza, quando lhe tostavam os vestidos" (pág 66).

Sabem quem é a Dondon?

A sociedade libertadora foi aqui constituída quando não mais havia escravos no vale.

João Ribeiro Dantas, filho de Zumba, pai do Jurista Heraclio Vilar Ribeiro Dantas e do Jonanilsta Orlando Dantas, foi abolicionista.

Assim como a família Imperial era abolicionista.

A mão de obra escrava aqui foi utilizada por menos de 30 anos; quando, segundo Hélio Galvão, já existia na província e  fora  utilizada na construção do Forte dos Reis Magos na segunda metade do século XVI.

A obra de Madalena é muito importante para ser lembrada apenas por se referir a uma das misérias humanas: a escravidão.

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