04/04/2022

'A ÚLTIMA MENTIRA DE FACHIN' - POR J. R. GUZZO

Fachin, mentiroso!

Reduzido, cada vez mais, à situação de um tribunal de varejo, que em vez de discutir questões essenciais sobre a Constituição virou um escritório de advocacia especializado em atender as miudezas da aglomeração descrita como a esquerda nacional, o STF está sendo acionado novamente pela sua clientela de sempre. É muita gente — os clientes da nossa Suprema Corte de Justiça, hoje em dia, vão de Lula ao cantor Pabllo Vittar. É esse Vittar, a propósito, o caso da vez. Ele mostrou um pedaço de pano com o rosto de Lula, seu candidato para as eleições de outubro, num festival de música em São Paulo. Não pode, decidiu o Tribunal Superior Eleitoral, o braço do STF que dá ordens na campanha; no seu entendimento, isso é propaganda antes da hora permitida. (Já tinham mandado retirar da rua um outdoor dizendo que Lula é ladrão; se não pode ser contra, parece achar o TSE, também não pode ser a favor.) O festival recorreu. A esquerda achou um escândalo: é a favor da intromissão do TSE nas eleições, mas só para agir contra o adversário. Foram correndo, então, reclamar ao seu protetor preferido — o STF.

Até aí, é o roteiro de sempre. O PT, os partidinhos que usa como seus serviçais e a “sociedade civil” passam o tempo todo, há anos, no cartório do STF, pedindo “explicações” sobre as coisas mais extraordinárias. Por que o filho do presidente foi à Rússia na comitiva do pai? Por que Bolsonaro não usou máscara em sua ida a Caixa Prego do Fim do Mundo? Por que baixou o IPI? Por que deu aumento para os professores? Por que o Exército Nacional está na Amazônia? Mas desta vez o queixume em torno do cantor e seu cartaz de apoio a Lula mexeram com a linha de montagem onde o STF fabrica, dia e noite, suas instruções para o Brasil: a respeito deste assunto, pensem assim; a respeito daquele assunto, pensem assado. (Se não obedecerem, a gente chama o ministro Alexandre de Moraes e a sua delegacia de polícia, e aí vocês vão ver o que é bom.) Desta vez quem ficou agitado foi o ministro Edson Fachin, o mesmo que anulou quatro ações penais contra Lula, inclusive as que o condenaram por corrupção e lavagem de dinheiro, em três instâncias e por nove juízes diferentes. O pai da candidatura Lula, agora, mostrou-se indignado com a proibição do tal cartaz no festival — ou, pelo menos, foi isso o que deu para entender. Quis levar o caso do cantor ao plenário do Supremo, com urgência, como se fosse uma questão vital para a sobrevivência da República. Segundo Fachin, “o histórico” do STF é de “defesa intransigente da liberdade de opinião”, e por conta disso deveria intervir no episódio. Mentira dele. O STF, ao contrário, é hoje o maior inimigo da liberdade de expressão que existe neste país. Os ministros ficam excitados quando a opinião é do cantor Vittar, mas têm horror de opiniões diferentes das suas — principalmente quando alguma dessas opiniões é sobre eles mesmos. Aí, se não gostam, pode dar cadeia. O que Fachin deveria ter dito, para não se perder tempo com essa mentirada, é o seguinte: “Nós aqui somos defensores intransigentes da liberdade de opinião — salvo em todos os casos em que somos contra, e esses casos estão aumentando cada vez mais”.

O STF é contra a liberdade de expressão, que é garantida por escrito no artigo 5 da Constituição, porque comete atos de agressão contra ela o tempo todo, de forma permanente e deliberada. A prova disso está nos fatos. O ministro Alexandre de Moraes e o seu inquérito perpétuo contra os “atos antidemocráticos” e as “fake news” perseguem furiosamente o jornalista Allan dos Santos, que para escapar da prisão foi para os Estados Unidos; Moraes pede, sem sucesso, a sua captura e extradição pela Interpol. O jornalista não cometeu nenhum crime contra a Lei de Segurança Nacional, ou qualquer outro que esteja definido no Código Penal Brasileiro; aliás, seus advogados até agora não foram informados legalmente que delito, afinal, ele teria praticado. Por que a obsessão do ministro, então? Porque Allan dos Santos desce o porrete no STF e na esquerda em geral; ao mesmo tempo, para piorar consideravelmente a sua situação, é a favor do governo Bolsonaro. Se fazer uma caça dessas não é ser agressivamente contra a liberdade de expressão, o que seria? Não só proíbem o jornalista de falar, cassando suas comunicações nas redes sociais; querem meter o homem na cadeia. O mesmo STF proibiu o YouTube de pagar a Barbara Destefani, apresentadora do programa Te Atualizei, o dinheiro que lhe deve pelos anúncios publicados em função de suas apresentações. Não conseguiram lhe cassar a palavra; foram então atrás dos seus meios de subsistência. O objetivo declarado dessa aberração legal é criar dificuldades financeiras para Barbara — uma ação particularmente abjeta. Não estão agredindo só a liberdade de expressão; agridem também o direito ao trabalho. O programa é contra Lula e a esquerda? Sim, e muito contra. É a favor do governo? Sim, e muito a favor. Pela lei, e pelo amor “intransigente” à liberdade ora declarado por Fachin, deveriam deixar a moça em paz com as suas opiniões. Na vida real o STF a trata como uma inimiga mortal na nação, que tem de ser destruída a qualquer custo.

O Supremo protege as ações, no Brasil, do grupo estrangeiro “Sleeping Giants”, que pressiona abertamente as empresas a não publicarem anúncios em publicações brasileiras cujo conteúdo consideram conservador. Prendeu o ex-deputado Roberto Jefferson por ter falado mal do STF — coisas pesadas, mas pura e simples opinião. Prendeu o deputado Daniel Silveira em pleno exercício do mandato, quando a Constituição diz com toda a clareza do mundo que nenhum deputado pode ser punido por manifestar seu pensamento — não pode, simplesmente, sem nenhuma exceção ou qualquer ressalva do tipo “desde que”. Mais: está absolutamente claro, pela lei, que um deputado só pode ser preso em flagrante delito e por crime inafiançável. Silveira não foi preso em flagrante, nem cometeu nenhum crime inafiançável — o que fez foi insultar os ministros, mas isso não é motivo legal para prender ninguém, e muito menos um deputado protegido por imunidades parlamentares estabelecidas na Constituição brasileira. Num momento de demência jurídica, aliás, que perdura até hoje sob a aceitação passiva ou a cumplicidade dos colegas, Moraes criou a aberração do “flagrante perpétuo”, coisa que não existe em lugar nenhum do planeta, para decretar a prisão de Silveira. Ele foi preso dias depois de ter falado o que falou, mas o ministro inventou que em casos assim flagrante não significa o momento, no relógio, em que o crime está sendo cometido, mas o resto da vida. Ou seja: o sujeito fala mal do Supremo hoje e, segundo os poderes que Moraes deu a si próprio, pode ser preso em flagrante daqui a dez anos. Liberdade de expressão?

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