PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Juizado da Fazenda Pública da Comarca de Ceará-Mirim
Avenida Luiz Lopes Varela, 551, Centro, Ceará-Mirim/RN - CEP nº 59570-000
Processo nº: 0800763-29.2018.8.20.5102
Promovente: ANTONIO MARCOS DE ABREU PEIXOTO
Promovidos: MUNICÍPIO DE CEARÁ-MIRIM e outro
SENTENÇA
Vistos, etc.
Trata-se de Ação Anulatória de Ato Administrativo, na qual pretende o Requerente
provimento judicial que determine a anulação da sessão extraordinária da Câmara
Municipal de Ceará-Mirim, datada de 12 de janeiro de 2018, na deliberação que desaprovou
as contas do Poder Executivo no exercício 2012, sob o argumento de inobservância aos
postulados da ampla defesa e do contraditório, conforme irregularidades elencadas na
inicial.
Juntou os documentos constantes nos Id´s nº 29107052, 29107110, 29108373
29108456 e 29108556.
Contestação da Câmara Municipal inserta no Id nº 30315622.
Liminar deferida consoante Id nº 30309343.
Parecer ministerial – Id nº 30885744.
Contestação do Município - Id nº 33476546.
Decido.
O feito enseja julgamento antecipado, à luz do artigo 355, I, do Código de Processo
Civil, porquanto a matéria nele ventilada é unicamente de direito, prescindindo de
produção de outras provas para o seu deslinde e livre convencimento judicial.
A matéria em discussão se atém à prerrogativa institucional de controle
parlamentar das contas municipais, prevista no art. 31 da Constituição Federal, in verbis:
“Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder
Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas
de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei.
§ 1º O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o
auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou
dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde
houver. § 2º O parecer prévio, emitido pelo órgão competente
sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará
de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara
Municipal”.
Do dispositivo em referência, conclui-se que a fiscalização do Município será
exercida pelo Poder Legislativo Municipal e que este controle externo será realizado com o
auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados, aos quais compete a elaboração de um parecer
prévio, de natureza técnica e de caráter opinativo, em relação às contas apresentadas
anualmente pelo Chefe do Poder Executivo. Tal parecer, não vinculativo, opinando pela
aprovação ou rejeição das contas, é então encaminhado à Câmara dos Vereadores para o
exercício do controle político-administrativo, com julgamento final e definitivo da
regularidade da atividade financeira municipal.
Na hipótese em apreço, o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte
aprovou com ressalvas as contas do Autor – Processo nº 6.180/2013-TC, entretanto, a Câmara
Municipal efetuou a convocação dos vereadores, em sessão extraordinária realizada em 12
de janeiro de 2018, resultando na deliberação pela desaprovação das contas do Promovente.
Em prol de sua pretensão, argumenta o Autor seis irregularidades formais
relacionadas ao citado ato administrativo, quais sejam, (i) nulidade da notificação por
edital, já que o autor possui endereço certo e nele não foi procurado; (ii) realização da
sessão de rejeição das contas antes de encerrado o prazo de defesa; (iii) convocação da
sessão em dia diverso daquele provocado no requerimento e, pior, com a sua realização
sem observância do prazo mínimo de 24 horas da convocação exigido pelo Regimento,
considerando que a convocação e a sessão ocorreram no mesmo dia, isto é 12/01/2018; (iv)
análise monocrática pelo Presidente do pedido de marcação da sessão extraordinária,
quando o regimento previa a votação em plenário (art. 111, § 3º, XI, Regimento); (v)
ausência de notificação para participação do interessado na sessão de julgamento; e (vi)
realização da sessão em escrutínio aberto (art. 163, IV, Regimento).
Pois bem, em respeito ao princípio da legalidade cabe ao Judiciário apreciar a
conformidade dos atos administrativos.
Nesse mister, esclareço, prima facie, que o controle dos atos da Administração
Pública pelo Poder Judiciário não viola o princípio da separação dos poderes, uma vez que
não visa a invadir o mérito administrativo, mas, tão somente, avaliar a legalidade da
decisão examinada, bem como, a sua consonância com outros princípios constitucionais.
Na hipótese em apreço, analisando a documentação até então produzida, observo
que ao ex-Prefeito não foi dada a oportunidade de exercer defesa perante a Casa
Legislativa, como bem apontou, inclusive, o parecer jurídico da Assessoria Jurídica da
Câmara Municipal, que alertou acerca da possibilidade de nulidade do ato administrativo,
em razão de possível ofensa ao direito de ampla defesa e contraditório do Promovente.
O fato do julgamento de contas do Chefe do Poder Executivo pelo Legislativo ter
natureza de controle político não lhe retira a característica de processo administrativo,
devendo, consequentemente, submeter-se aos postulados do contraditório e da ampla
defesa, sob pena de configuração de cerceamento de defesa e, por isso, a nulidade do
julgamento. A falta de oportunidade de contraditar no processo administrativo em questão fere prerrogativas constitucionais indisponíveis, conforme disposto no art. 5º, LV, da
Constituição Federal, viciando todo o procedimento.
A instituição parlamentar violou os requisitos que poderiam dar legalidade aos atos
administrativos impugnados pelo Demandante, eis que, de fato, efetuou citação por edital,
realização a sessão à revelia do Promovente, circunstância excepcionada às situações
elencadas no art. 256 do CPC.
Na mesma linha, houve flagrante afronta ao disposto nos arts. 19 e 130 do
Regimento Interno da Câmara Municipal, que preveem um prazo mínimo de vinte e quatro
horas para realização de sessão extraordinária, com exceção dos casos em que for
decretado estado de calamidade pública ou emergência, confira-se:
Art. 19 - O presidente é o representante da câmara quando ela se
pronunciar coletivamente, o supervisor de seus trabalhos e fiscal
de sua ordem, competindo-lhe:
(...)
II - convocar extraordinariamente a câmara, nos termos do
artigo 21, inciso II da Lei Orgânica Municipal, devendo concretizar
a convocação no prazo de vinte e quatro horas do recebimento da
mensagem do requerimento, ou da deliberação da mesa;
Art. 130 - As sessões extraordinárias da câmara serão realizadas
em qualquer dia e hora da semana, incluindo sábados, domingos e
feriados. § 1º - A sessão extraordinária será convocada pelo
presidente da câmara ou pelo prefeito municipal, sempre que
necessária a sua realização e terá o tempo de duração das sessões
ordinárias. § 2º - As sessões extraordinárias serão convocadas com
antecedência mínima de 24 (vinte e quatro) horas, exceto nos casos
em que for decretado estado de calamidade pública ou
emergência, nelas sendo discutidas e votadas somente matérias
que constituírem objeto de convocação.
E, corroborando com a inobservância formal exigida, a sessão de julgamento
ocorreu em escrutínio aberto, contrariando o disposto no art. 163, IV do Regimento Interno
da Câmara Municipal, veja-se:
Art. 163 - É obrigatório o escrutínio secreto em caso de: I -
aplicação de penalidades a vereador; (REVOGADO) II – julgamento
político do prefeito e vice-prefeito; III - concessão de título
honorífico ou qualquer outra honraria; IV - julgamento das contas
do prefeito e vetos.
Portanto, entendo que a realização da sessão de julgamento que concluiu pela
rejeição das contas do ex-prefeito Antônio Marcos de Abreu Peixoto, relativas ao exercício
de 2012, descumpriu prerrogativas constitucionais indisponíveis, além de inobservar o
Regimento Interno da Câmara Municipal, devendo, portanto, ser reconhecida sua nulidade.
Em inúmeras oportunidades o Supremo Tribunal Federal julgou no sentido exposto,
confira-se:
"Sendo o julgamento das contas do recorrente, como ex-chefe do
Executivo Municipal, realizado pela Câmara de Vereadores mediante
parecer prévio do Tribunal de Contas, que poderá deixar de
prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Casa
Legislativa (arts. 31, § 1º, e 71 c/c o 75 da CF), é fora de dúvida que,
no presente caso, em que o parecer foi pela rejeição das contas, não
poderia ele, em face da norma constitucional sob referência, ter sido
aprovado, sem que se houvesse propiciado ao interessado a
oportunidade de opor-se ao referido pronunciamento técnico, de
maneira ampla, perante o órgão legislativo, com vista a sua
almejada reversão." (RE 261.885, rel. min. Ilmar Galvão, julgamento
em 5-12-2000, Primeira Turma, DJ de 16-3-2001.) No mesmo sentido:
RE 414.908-AgR, rel. min. Ayres Britto, julgamento em 16-8-2011,
Segunda Turma, DJE de 18-10-2011.
“O controle externo das contas municipais, especialmente daquelas
pertinentes ao chefe do Poder Executivo local, representa uma das
mais expressivas prerrogativas institucionais da Câmara de
Vereadores, que o exercerá com o auxílio do Tribunal de Contas (CF,
art. 31). Essa fiscalização institucional não pode ser exercida, de
modo abusivo e arbitrário, pela Câmara de Vereadores, eis que –
devendo efetivar-se no contexto de procedimento revestido de
caráter político-administrativo – está subordinada à necessária
observância, pelo Poder Legislativo local, dos postulados
constitucionais que asseguram, ao prefeito municipal, a
prerrogativa da plenitude de defesa e do contraditório. A deliberação
da Câmara de Vereadores sobre as contas do chefe do Poder
Executivo local há de respeitar o princípio constitucional do devido
processo legal, sob pena de a resolução legislativa importar em
transgressão ao sistema de garantias consagrado pela Lei
Fundamental da República.” (RE 682.011, rel. min. Celso de Mello,
decisão monocrática, julgamento em 8-6-2012, DJE de 13-62012).
Ante o exposto, julgo PROCEDENTE o pedido, na forma do art. 487, I, do Código de
Processo Civil, confirmando os efeitos da tutela anteriormente deferida, para anular o
Decreto Legislativo nº 36/2017 e o procedimento de julgamento das contas de
responsabilidade do ex-prefeito Antônio Marcos de Abreu Peixoto, pela Câmara Municipal
de Ceará-Mirim, relativas ao exercício de 2012, por violação aos artigos 19, 130 e 163, IV, do
Regimento Interno da Câmara Municipal e art. 5º, LV, da Constituição Federal.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Ceará Mirim/RN, 18 de dezembro de 2018.
PETERSON FERNANDES BRAGA
Juiz de Direito
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