28/12/2018

CEARÁ-MIRIM: EX-PREFEITO PEIXOTO ANULA NA JUSTIÇA SESSÃO DA CÂMARA QUE REPROVOU SUAS CONTAS DE 2012

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE 
Juizado da Fazenda Pública da Comarca de Ceará-Mirim 
Avenida Luiz Lopes Varela, 551, Centro, Ceará-Mirim/RN - CEP nº 59570-000 

Processo nº: 0800763-29.2018.8.20.5102 
Promovente: ANTONIO MARCOS DE ABREU PEIXOTO 
Promovidos: MUNICÍPIO DE CEARÁ-MIRIM e outro 

SENTENÇA 

Vistos, etc. 

Trata-se de Ação Anulatória de Ato Administrativo, na qual pretende o Requerente provimento judicial que determine a anulação da sessão extraordinária da Câmara Municipal de Ceará-Mirim, datada de 12 de janeiro de 2018, na deliberação que desaprovou as contas do Poder Executivo no exercício 2012, sob o argumento de inobservância aos postulados da ampla defesa e do contraditório, conforme irregularidades elencadas na inicial. 

Juntou os documentos constantes nos Id´s nº 29107052, 29107110, 29108373 29108456 e 29108556. 

Contestação da Câmara Municipal inserta no Id nº 30315622. 

Liminar deferida consoante Id nº 30309343.

Parecer ministerial – Id nº 30885744. 

Contestação do Município - Id nº 33476546. 

Decido. 

O feito enseja julgamento antecipado, à luz do artigo 355, I, do Código de Processo Civil, porquanto a matéria nele ventilada é unicamente de direito, prescindindo de produção de outras provas para o seu deslinde e livre convencimento judicial. 

A matéria em discussão se atém à prerrogativa institucional de controle parlamentar das contas municipais, prevista no art. 31 da Constituição Federal, in verbis: 

“Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei. § 1º O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver. § 2º O parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal”. 

Do dispositivo em referência, conclui-se que a fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal e que este controle externo será realizado com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados, aos quais compete a elaboração de um parecer prévio, de natureza técnica e de caráter opinativo, em relação às contas apresentadas anualmente pelo Chefe do Poder Executivo. Tal parecer, não vinculativo, opinando pela aprovação ou rejeição das contas, é então encaminhado à Câmara dos Vereadores para o exercício do controle político-administrativo, com julgamento final e definitivo da regularidade da atividade financeira municipal. 

Na hipótese em apreço, o Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte aprovou com ressalvas as contas do Autor – Processo nº 6.180/2013-TC, entretanto, a Câmara Municipal efetuou a convocação dos vereadores, em sessão extraordinária realizada em 12 de janeiro de 2018, resultando na deliberação pela desaprovação das contas do Promovente. 

Em prol de sua pretensão, argumenta o Autor seis irregularidades formais relacionadas ao citado ato administrativo, quais sejam, (i) nulidade da notificação por edital, já que o autor possui endereço certo e nele não foi procurado; (ii) realização da sessão de rejeição das contas antes de encerrado o prazo de defesa; (iii) convocação da sessão em dia diverso daquele provocado no requerimento e, pior, com a sua realização sem observância do prazo mínimo de 24 horas da convocação exigido pelo Regimento, considerando que a convocação e a sessão ocorreram no mesmo dia, isto é 12/01/2018; (iv) análise monocrática pelo Presidente do pedido de marcação da sessão extraordinária, quando o regimento previa a votação em plenário (art. 111, § 3º, XI, Regimento); (v) ausência de notificação para participação do interessado na sessão de julgamento; e (vi) realização da sessão em escrutínio aberto (art. 163, IV, Regimento). 

Pois bem, em respeito ao princípio da legalidade cabe ao Judiciário apreciar a conformidade dos atos administrativos. 

Nesse mister, esclareço, prima facie, que o controle dos atos da Administração Pública pelo Poder Judiciário não viola o princípio da separação dos poderes, uma vez que não visa a invadir o mérito administrativo, mas, tão somente, avaliar a legalidade da decisão examinada, bem como, a sua consonância com outros princípios constitucionais. 

Na hipótese em apreço, analisando a documentação até então produzida, observo que ao ex-Prefeito não foi dada a oportunidade de exercer defesa perante a Casa Legislativa, como bem apontou, inclusive, o parecer jurídico da Assessoria Jurídica da Câmara Municipal, que alertou acerca da possibilidade de nulidade do ato administrativo, em razão de possível ofensa ao direito de ampla defesa e contraditório do Promovente. 

O fato do julgamento de contas do Chefe do Poder Executivo pelo Legislativo ter natureza de controle político não lhe retira a característica de processo administrativo, devendo, consequentemente, submeter-se aos postulados do contraditório e da ampla defesa, sob pena de configuração de cerceamento de defesa e, por isso, a nulidade do julgamento. A falta de oportunidade de contraditar no processo administrativo em questão fere prerrogativas constitucionais indisponíveis, conforme disposto no art. 5º, LV, da Constituição Federal, viciando todo o procedimento. 

A instituição parlamentar violou os requisitos que poderiam dar legalidade aos atos administrativos impugnados pelo Demandante, eis que, de fato, efetuou citação por edital, realização a sessão à revelia do Promovente, circunstância excepcionada às situações elencadas no art. 256 do CPC. 

Na mesma linha, houve flagrante afronta ao disposto nos arts. 19 e 130 do Regimento Interno da Câmara Municipal, que preveem um prazo mínimo de vinte e quatro horas para realização de sessão extraordinária, com exceção dos casos em que for decretado estado de calamidade pública ou emergência, confira-se: 

Art. 19 - O presidente é o representante da câmara quando ela se pronunciar coletivamente, o supervisor de seus trabalhos e fiscal de sua ordem, competindo-lhe: (...) 

II - convocar extraordinariamente a câmara, nos termos do artigo 21, inciso II da Lei Orgânica Municipal, devendo concretizar a convocação no prazo de vinte e quatro horas do recebimento da mensagem do requerimento, ou da deliberação da mesa; 

Art. 130 - As sessões extraordinárias da câmara serão realizadas em qualquer dia e hora da semana, incluindo sábados, domingos e feriados. § 1º - A sessão extraordinária será convocada pelo presidente da câmara ou pelo prefeito municipal, sempre que necessária a sua realização e terá o tempo de duração das sessões ordinárias. § 2º - As sessões extraordinárias serão convocadas com antecedência mínima de 24 (vinte e quatro) horas, exceto nos casos em que for decretado estado de calamidade pública ou emergência, nelas sendo discutidas e votadas somente matérias que constituírem objeto de convocação. 

E, corroborando com a inobservância formal exigida, a sessão de julgamento ocorreu em escrutínio aberto, contrariando o disposto no art. 163, IV do Regimento Interno da Câmara Municipal, veja-se:

Art. 163 - É obrigatório o escrutínio secreto em caso de: I - aplicação de penalidades a vereador; (REVOGADO) II – julgamento político do prefeito e vice-prefeito; III - concessão de título honorífico ou qualquer outra honraria; IV - julgamento das contas do prefeito e vetos. 

Portanto, entendo que a realização da sessão de julgamento que concluiu pela rejeição das contas do ex-prefeito Antônio Marcos de Abreu Peixoto, relativas ao exercício de 2012, descumpriu prerrogativas constitucionais indisponíveis, além de inobservar o Regimento Interno da Câmara Municipal, devendo, portanto, ser reconhecida sua nulidade. 

Em inúmeras oportunidades o Supremo Tribunal Federal julgou no sentido exposto, confira-se: 

"Sendo o julgamento das contas do recorrente, como ex-chefe do Executivo Municipal, realizado pela Câmara de Vereadores mediante parecer prévio do Tribunal de Contas, que poderá deixar de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Casa Legislativa (arts. 31, § 1º, e 71 c/c o 75 da CF), é fora de dúvida que, no presente caso, em que o parecer foi pela rejeição das contas, não poderia ele, em face da norma constitucional sob referência, ter sido aprovado, sem que se houvesse propiciado ao interessado a oportunidade de opor-se ao referido pronunciamento técnico, de maneira ampla, perante o órgão legislativo, com vista a sua almejada reversão." (RE 261.885, rel. min. Ilmar Galvão, julgamento em 5-12-2000, Primeira Turma, DJ de 16-3-2001.) No mesmo sentido: RE 414.908-AgR, rel. min. Ayres Britto, julgamento em 16-8-2011, Segunda Turma, DJE de 18-10-2011. 

“O controle externo das contas municipais, especialmente daquelas pertinentes ao chefe do Poder Executivo local, representa uma das mais expressivas prerrogativas institucionais da Câmara de Vereadores, que o exercerá com o auxílio do Tribunal de Contas (CF, art. 31). Essa fiscalização institucional não pode ser exercida, de modo abusivo e arbitrário, pela Câmara de Vereadores, eis que – devendo efetivar-se no contexto de procedimento revestido de caráter político-administrativo – está subordinada à necessária observância, pelo Poder Legislativo local, dos postulados constitucionais que asseguram, ao prefeito municipal, a prerrogativa da plenitude de defesa e do contraditório. A deliberação da Câmara de Vereadores sobre as contas do chefe do Poder Executivo local há de respeitar o princípio constitucional do devido processo legal, sob pena de a resolução legislativa importar em transgressão ao sistema de garantias consagrado pela Lei Fundamental da República.” (RE 682.011, rel. min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 8-6-2012, DJE de 13-62012). 

Ante o exposto, julgo PROCEDENTE o pedido, na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil, confirmando os efeitos da tutela anteriormente deferida, para anular o Decreto Legislativo nº 36/2017 e o procedimento de julgamento das contas de responsabilidade do ex-prefeito Antônio Marcos de Abreu Peixoto, pela Câmara Municipal de Ceará-Mirim, relativas ao exercício de 2012, por violação aos artigos 19, 130 e 163, IV, do Regimento Interno da Câmara Municipal e art. 5º, LV, da Constituição Federal. 

Publique-se. 

Registre-se. 

Intimem-se. 

Ceará Mirim/RN, 18 de dezembro de 2018. 

PETERSON FERNANDES BRAGA 
Juiz de Direito 

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