Zé da Viúva
Por Ricardo Sobral
Seu Ari Estrangeiro, como era conhecido, por
suas inabaláveis convicções pacifistas, saiu das montanhas de seu país,
então dominado pelos ingleses, para não ir para a guerra.
Mascateando, bateu no
semi-árido nordestino. Gostou de uma morena, um verdadeiro “pedaço de
mau caminho”, na expressão de Luiz Gonzaga. A mulher, décima segunda de
uma prole de vinte e três, herdou uma tira de terra tão estreita que, se
um jumento deitasse nela no sentido da largura, ficava com o rabo do lado de fora. Dava esbulho possessório.
Com trabalho e
economia heróicos seu Ari comprou as partes dos demais herdeiros e
também as terras dos vizinhos, constituindo um latifúndio onde se via
rebanho de gado e miunças, além de plantações de algodão e milho a
perder de vista.
Jactava-se de saber
fazer economia em tudo. Suas frases prediletas eram: 1ª) sei fazer mais
com menos; e, 2ª) o homem deve levantar-se da mesa ainda com vontade de
comer. O carro popular na garagem, cobrado de segunda mão, servia apenas
como enfeite, posto que só saia da fazenda aos domingos para ir a feira
da cidade, para onde se dirigia saculejando em um trator com mais de trinta anos de uso. Não dispensava o pagamento da passagem sequer dos seus moradores.
A morena, antes
alegre e fagueira, com o tempo ficou macambúzia. Embora na região
fizesse um frio noturno de doer nos ossos, não era raro tomar banho
gelado ali por volta das vinte e duas horas, quando Seu Ari já estava de
ronco solto.
Nesse tempo, morava
na região um moço chamado Mané Chabão, de olhar distante, pele pálida ao
extremo, magro de ser empurrado pelo vento nordeste, rosto pontiagudo e
que só tinha duas ocupações na vida: jogar sinuca no bar da esquina, no “expediente” da tarde, quando acordava depois que todos já tinham almoçado; e, à noite, freqüentar o caberá da cidade, onde era conhecido por Mané Gostoso.
Sua mãe, viúva do antigo coveiro da cidade, se lamentava.
- Meu Deus, onde foi que errei? Meu fio Manezin não vai dar pra nada nesse mundo. Ô cabra grande perdido.
As vizinhas procuraram confortá-la.
- Calma, comadre Domicina, o Manezin só tem trinta e sete anos. Ele ainda vai desarnar.
Um dia os sinos
dobraram. Era um domingo de carnaval. Seu Ari Estrangeiro foi desatolar
uma vaca no rio que havia pegado cheia. Finou-se afogado, abraçado com a
vaca, que sobreviveu.
O tempo não pára e é o que há de mais perecível nesse mundo.
Um dia de muito sol, quebrando a pachorra do lugar, passa uma Land Rover em frente ao bar do sinuca.
Todos gritam: é Zé da Viúva.
Um comentário:
E aí Jão? O assunto do momento é política. Comenta alguma coisa, está acontecendo muita coisa por aí, notícias de pula-pula e etc. Vc pode dar sua opinião sobre o pleito, como está a campanhã? Quais as chances de cada candidato (na sua visão, claro)?
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