18/07/2010

NEPOTISMO


Origem da palavra Nepotismo.





Para dominarmos os conceitos é preciso compreender profundamente o significado das palavras. As regras da Ciência Hermenêutica nos conduzem à morfologia (estudo da estrutura e formação das palavras) e à etimologia (estudo das palavras, de sua história e de seu significado) da palavra nepotismo.

Morfologicamente, a palavra híbrida (latim e grego) nepotismo é formada pelo radical e também raiz: nepote (do latim népos/nipote/nepõtes, que significa sobrinho/neto/descendente) e pelo sufixo nominal: "ismo" (do grego ismós, que significa "prática de").

A etimologia demonstra que a palavra nepotismo surgiu na Itália, no sentido de indicar a excessiva autoridade que os sobrinhos e outros parentes dos Papas exerceram na administração eclesiástica. Era um tipo de acusação dirigida contra os Papas do Renascimento (Sisto IV a Paulo III) que nomeavam sobrinhos (nipoti) e outros parentes para posições clericais e administrativas de importância. (autorità eccessiva che i nipoti e gli altri parenti de'papi hanno talvolta esercitato nell'amministrazione degli affari di Roma).

Em decorrência do sentido italiano atribuído à palavra nepotismo, fontes clássicas 7 indicam que a palavra nepotismo veio do baixo-latim eclesiástico: nepote, que significaria sobrinho do Papa. Deste modo, conforme atuais fontes clássicas, nepotismo significa a prática adotada pelos Papas dos séculos XV e XVI em favorecer, sistematicamente, suas famílias (sobrinhos e outros parentes) com títulos (cargos de autoridade) e doações (presentes materiais).

Hodiernamente, partindo da premissa supramencionada, por extensão voluntária, as mesmas fontes clássicas indicam que nepotismo é a prática de favorecer alguém preferido pelos que detêm o poder; neste sentido, qualquer ato proveniente de quem detêm o poder, que favoreça alguém, é nepotismo.

O Dicionário Michaelis, procurando incrementar o significado da palavra, indica, também por extensão voluntária, que nepotismo é o "favoritismo de certos governantes aos seus parentes e familiares, facilitando-lhes a ascensão social, independentemente de suas aptidões."

Portanto, da premissa do favoritismo eclesiástico italiano, e obras clássicas convencionaram estender o conceito de nepotismo papal para qualquer ato que favoreça parentes especialmente protegidos, independente de suas aptidões.

Teríamos, portanto, dois significados aparentes para a palavra nepotismo, um originário da práxis papal, na Itália, e outro secundário, atribuído por extensão generalizada.

Entretanto, parece-nos oportuno que seja revista a premissa utilizada pelos clássicos já indicados, a qual aponta, como fonte primária de significação, a prática Papal, dos séculos XV e XVI, de favorecer e nomear sobrinhos e demais parentes para ocuparem posições de alta importância. Como disse Hilário, "O entendimento do que se diz deve estabelecer-se a partir das causas do dizer: não é a coisa que deve sujeitar-se à palavra, mas a palavra à coisa"

De fato, a prática que se pretende atribuir, originariamente, ao papado está longe de ser real e verídica. Isto nos conduziu à investigação da origem histórica da prática daquilo que, por extensão, convencionou-se chamar de nepotismo. Aliás, é bom lembrar que dicionários, inclusive os jurídicos, e enciclopédias, por melhores que sejam, não são considerados fontes do Direito, nem mesmo fontes secundárias.

Em verdade, ao contrário daquilo que classicamente se induziu, a prática de favorecer parentes, por parte dos governantes, detentores do poder, fora registrada no Japão, no período Heian, por volta do ano 669. A despeito da pobreza do povo japonês, no começo do séc. IX, o Japão atingiu o apogeu de uma civilização requintada, capaz de contestar o dogma da superioridade intelectual chinesa e de desenvolver a cultura nacional. Foi o governo da família Fujiwara, através da prática atribuída aos Papas, séculos depois, que permitiu esta mudança primordial para o povo japonês. A família Fujiwara foi dividida em quatro ramos, chefiados por quatro irmãos, que passaram a exercer uma considerável influência no governo:

"Em breve todo o poder passou das mãos dos soberanos às dos Fujiwara, graças a um sistema que consistia em casar uma das filhas do chefe do clã com o imperador e colocar os parentes próximos em postos-chave da administração. Quando o herdeiro chegava à idade de ocupar o trono, o imperador renunciava e Fujiwara era designado regente em nome de seu neto, ainda menor." 11 Em 1960, houve semelhante prática, ainda no Japão: "Uma vez no poder, Kiyomori adotou a mesma tática dos Fujiwara: nomeou seus parentes para as funções de maior importância, concedeu-lhes títulos de nobreza e reservou para si a posição de maior destaque na corte. Casou suas filhas na família imperial e instalou um de seus netos, com idade de dois anos, no trono japonês."

Ressalte-se que, mesmo na Itália Renascentista, a nomeação de parentes para posições militares e políticas, de alta relevância, era comum aos não pertencentes à classe clerical. "Mas, a par de chefes espirituais, os papas eram também governantes temporais de uma grande parte da Itália; outros governantes não hesitavam em usar membros de suas próprias famílias como comandantes militares ou conselheiros políticos. Além disso, os papas eram usualmente idosos quando eleitos, rodeados pelos adeptos de seus ex-rivais, a braços com uma pletora de funcionários do Vaticano preocupados em zelar por seus interesses pessoais ou cujos salários eram pagos por nações estrangeiras. Assim, para conduzirem uma vigorosa política pessoal, não era inteiramente descabido que os papas promovessem homens de lealdade menos duvidosa." 13

Sem ingressarmos nas razões de mérito sobre favores concedidos pelos Papas da Idade das Trevas (para leigos e religiosos) aos seus familiares, certo é que tal prática não era exclusiva do Clero e iniciou-se em época remota, ignorada por aqueles que tentam forjar um novo conceito de nepotismo.

Do exposto, podemos já afirmar, com segurança, que o estudo etimológico (especialmente da gramática histórica) da práxis atribuída incorretamente à palavra nepotismo não permite nenhuma indução especulativa quanto à capacidade e competência dos parentes favorecidos, quanto menos vincular estes dois conceitos (capacidade e competência) ao já deturpado significado que se pretende atribuir à palavra nepotismo. Se considerarmos apenas o significado originário da palavra nepotismo (nepote + ismo) perceberemos que ficará restrito à prática de nomear sobrinho, neto ou descendente para ocuparem posições de importância! Com a ajuda da etimologia, poderemos chegar próximos de uma interpretação sistemática e extensiva (sem ingressarmos no mérito de tal extensão), e considerar nepotismo como a prática, por parte dos ocupantes do poder, de nomear familiares para posições de alta importância, independente de suas qualificações, nada além disto.

A História apenas se repete, mudando apenas seus personagens, ontem Papas, hoje outros governantes em outros espaços que não o Vaticano.

Denilson Venâncio Rodrigues

(Bacharel em Direito e Consultor Jurídico)

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