26/03/2021

TEVE BRIGA E 'ESTRATÉGIA DE GUERRA' NA REUNIÃO QUE APROVOU PRESIDENTE DA PETROBRAS

Reunião que aprovou presidente da Petrobras de Bolsonaro teve briga e 'estratégia de guerra'

A proposta de Jair Bolsonaro de colocar o general da reserva Joaquim Silva e Luna na presidência da Petrobras está avançando nos escalões de governança da companhia, mas continua provocando conflitos.

É o que revela a ata da reunião do comitê interno que aprovou o nome de Luna para ser submetido aos acionistas na assembleia do próximo dia 12 de abril. Essa aprovação era fundamental para que ele pudesse assumir o cargo. Luna deverá substituir Roberto Castello Branco, demitido por Bolsonaro após sucessivos aumentos nos preços de combustíveis. 

Até agora, tudo o que se sabia era que Luna tinha passado pelo crivo dos seis conselheiros que participaram da reunião do comitê de pessoas, a quem cabia avaliar se suas qualificações eram suficientes para a função.

Mas o documento tornado público no final da noite de ontem, no site da Petrobras, mostra que, antes de o nome de Luna ser sacramentado, houve uma acalorada discussão entre os conselheiros sobre deixá-lo ou não prosseguir. 

De um lado, o representante dos minoritários Marcelo Mesquita, que defendia que a avaliação do comitê não deveria ser burocrática, e sim fazer "juízo crítico" do currículo do general. De outro, os demais membros do comitê, afirmando que sua função era apenas a de verificar se os documentos e comprovantes do candidato de Bolsonaro estavam corretos. 

Tanto a lei das estatais como o estatuto da Petrobras estabelecem uma série de condições que o candidato a presidi-la tem que preencher. Uma é ter preferencialmente dez anos de experiência em cargos de liderança em áreas de negócios relacionadas à da empresa (não é o caso de Silva e Luna). Outra, ter passado quatro anos em cargo de direção ou chefia em empresa de porte similar à petroleira (há dois anos Luna preside a Itaipu Binacional, cujo faturamento corresponde a 2% da geração de caixa da Petrobras). 

Também pode ser aceito quem comprovar quatro anos como “profissional liberal em atividade direta ou indiretamente vinculada à área de atuação da empresa” ou o mesmo período em funções comissionadas acima de um certo nível na administração pública, o chamado DAS-4 (experiência que Luna de fato tem).

Pela ata, fica claro que a maioria dos conselheiros limitou-se apenas a verificar se os documentos apresentados pelo general realmente correspondiam aos requisitos mínimos necessários, e se não havia nada que o impedisse de assumir.

Mais de uma vez, ao longo do texto, eles informam ter decidido que não analisariam aspectos subjetivos da indicação, porque isso seria tarefa dos acionistas. Assim, empurraram para a assembleia a responsabilidade "subjetiva" de avaliar se Silva e Luna tem "notório saber", como pede o estatuto da Petrobras. 

Formado em engenharia pela Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), com mestrado e doutorado em escolas do exército, Silva e Luna é diretor-geral de Itaipu desde fevereiro de 2019 e foi ministro da Defesa por seis meses no governo Temer, entre junho e dezembro de 2018. Mas nunca atuou em empresas do setor de óleo e gás. Para Marcelo Mesquita, esse currículo não é suficiente para comandar a “maior empresa do hemisfério sul”. A Petrobras é a segunda maior petroleira do mundo em operações no oceano e faturou R$ 272 bilhões no ano passado.

Mesquita chegou a sugerir que o comitê fizesse uma recusa “estratégica” do general no comitê, de forma a obrigar o conselho de administração a indicar outro nome para a assembléia de acionistas. Mas estava isolado. 

Seus argumentos não foram acatados pelos outros conselheiros. Um dos representantes dos minoritários, Leonardo Antonelli, chegou a chamar a proposta de Mesquita de "estratégia de guerra" para barrar Silva e Luna como membro do Conselho de Administração, o que seria ilegal. 

Embora deixasse claro o desconforto com a situação, Antonelli dizia não caber ao comitê votar pelos acionistas. “Não desconheço as vozes contemporâneas que acusam haver uma suposta militarização no alto escalão do governo, nem aquelas outras que dizem ter havido uma suposta sindicalização no passado”, afirmou. 

A verdade é que os critérios legais são elásticos o suficiente para acomodar o general no comando da Petrobras. Para o comitê de avaliação, contou o fato de ele ser Doutor em Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e de Mestre em Operações Militares pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, além de ter cursado engenharia na Aman. 

O comitê também sublinhou como qualificações títulos que nada têm a ver com petróleo, como o curso de Comando e Estado-Maior pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e o de Combate Básico das Forças de Defesa de Israel, no Instituto Wingate. 

Nas discussões, um dos conselheiros indicados pelo governo, Ruy Schneider, defendeu Silva e Luna dizendo que não há nada que o desabone e que ele tem "trajetória profissional respeitável". 

Ao final, venceu a maioria. Nada garante que não haverá novas brigas entre os acionistas, no próximo dia 12/04. Mas, ao que parece, nenhuma será capaz de tirar de Silva e Luna a cadeira de presidente da Petrobras.

O Globo

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