Onda da tadalafila: venda ilegal no Rio chega a praias, à oitava rua mais cool do mundo, a estádio e a casas de suingue
“Bala, tadala, bala, tadala, bala, tadala!” Na Arnaldo Quintela, rua carioca eleita a oitava mais cool do mundo, em Botafogo, na Zona Sul, um vendedor ambulante anuncia a venda do remédio que mexe com a cabeça de homens das gerações X, Y e Z (de adolescentes a 70+). A tadalafila, medicamento indicado para tratamento da disfunção erétil, virou “pílula de segurança” para performar sexualmente ou mesmo para se mostrar ao mundo com pouca roupa.
Nos points gays em frente ao mar, homens tomam um comprimido horas antes de pisar na areia. Adolescentes e jovens usam em primeiros encontros — ainda sem tanta intimidade com a parceira ou o parceiro — para se sentirem mais seguros. Há ainda os que lançam mão do comprimidinho após consumirem álcool, maconha ou drogas sintéticas. Em casas de suingue, onde vez ou outra comprimidos de tadalafila são comercializados ilicitamente por bartenders, há também clientes que carregam frascos com a fórmula manipulada e estado líquido. Para além dessa multidão que recorre ao remédio crente que o prazer estará garantido, há, claro, homens de meia ou terceira idade que usam o remédio sob prescrição médica. Mas vale dizer que esse pode não ser mais o público majoritário.
A tadalafila é vendida em doses de 5mg ou 20mg e pertence à mesma classe da sildenafila (viagra). Em pacientes com doenças coronarianas, a superdosagem combinada à de outros remédios pode levar à morte. Por isso, médicos recomendam que se faça acompanhamento para que os pacientes sejam orientados, por exemplo, sobre quais combinações não fazer. O uso — e abuso — da substância sem prescrição médica pode causar de dores de cabeça e musculares, congestão nasal e indigestão a efeitos graves como priapismo (ereção persistente e dolorosa), perda de audição ou visão, baixa na pressão arterial e eventos cardiovasculares.
— Aqueles pacientes com angina ou insuficiência cardíaca não podem tomar esse tipo de medicamento de jeito nenhum. Caso contrário, podem sofrer consequências coronárias e ter até um ataque cardíaco. Também é contraindicado para pessoas que fazem tratamento à base de nitrato (vasodilatadores que relaxam ou dilatam os vasos sanguíneos), para quem têm hipersensibilidade à substância — alerta Danilo Souza Lima da Costa Cruz, médico do Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe), da Uerj.
Marombeiros na fila
No Rio, os homens adquirem a droga sob demandas distintas e em cenários variados. Em praias como as do Leme e de Ipanema, adeptos compram seus remedinhos de ambulantes que disputam espaço na areia com vendedores de mate e de milho. No último carnaval, a propaganda da tadala podia ser ouvida em meio à batucada dos blocos, com venda ilegal feita até por crianças. Fora dos períodos sazonais, a febre persiste: há oferta do produto na rampa e na passarela do Maracanã, no trem, na Central do Brasil, em festas universitárias, e em regiões de comércio popular nas zonas Norte, Sul e Oeste, além do Centro.
— A tadalafila está na boca do povo. Nas rodas masculinas, muito se fala: todo mundo está brochando. E eu acho que é porque ninguém está bem — diz o biólogo Paulo Duarte, consumidor de 38 anos que se reconhece na sigla LGBTQIA+. — Acho curioso que os homens heterossexuais, amigos meus, falam disso com outros homens sem vergonha, até com um certo orgulho: “ah, vou usar tadala!” O positivo é que eles abrem alguma fragilidade, mas percebo que eles não conversam sobre os motivos para estarem brochando. Comigo tem a ver com insegurança. Se estou nos primeiros encontros com a pessoa, uso para “chegar chegando”.
A naturalidade com que o assunto emerge — tanto em conversas cara a cara quanto em grupos virtuais — reflete a onda do uso recreativo do medicamento. Embora alguns usuários frequentes da tadala afirmem que não dá para perceber a diferença na hora do sexo, Paulo diz que há controvérsias.
— Às vezes, os caras que tomam dizem: “se a pessoa for esperta, vai saber que tomei. É uma ereção diferente, menos natural” — entrega o biólogo.
Mas não é só quem está interessado em melhorar o desempenho sexual que recorre ao medicamento. O efeito vasodilatador da substância passou a atrair mais consumidores. Em grupos de aficionados por exercício físico, mais precisamente entre a turma da hipertrofia a qualquer custo, acredita-se, erroneamente, que a substância cumpre a função de pré-treino. O médico do Hupe-Uerj contesta essa crença e frisa que não há comprovação de eficácia do remédio na melhora do desempenho em exercícios físicos, menos ainda evidências científicas.
— Não há trabalho científico que mostre qualquer benefício no uso dessa medicação para este fim. Muitos consumidores pensam: "Já que é um vasodilatador, vou tomar para fazer com que esse efeito impacte o músculo". Mas não tem nada disso — ressalta Souza Lima da Costa Cruz.
Cinco anos atrás, um estudo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) mostrou que 21,4 milhões de caixas de tadalafila foram vendidas no Brasil. No ano passado, o número superou os 64 milhões. Em dez anos, a comercialização do remédio no país cresceu 20 vezes — em 2015, segundo a Anvisa, três milhões de unidades foram vendidas.
Outro grupo que movimenta esse mercado é o dos que tentam transformar o corpo numa máquina de sexo, característica apontada pelos próprios adeptos de encontros liberais. O carioca Rodolfo Masetti, empresário de 37 anos não-monogâmico e dono do perfil de Instagram Hierarquia na Berlinda, diz ter sido testemunha de cenas de sexo em que frequentadores de uma casa de suingue na Barra da Tijuca, na Zona Oeste, lançavam mão de comprimidos ou spray para garantir atuações “infalíveis”. Em dada fase, ele mesmo se tornou refém do artifício.
— A não-monogamia te põe de frente a suas inseguranças. Uma delas é com a performance. As pessoas querem saber quem são “os caras que entregam”. Tem os mais indicados, os solteiros famosos... Muitas vezes, esses eram os homens que ficavam no canto da balada, sem beber (a bebida pode dificultar a ereção). Era assim: tadala no bolso, sobriedade e espera por um convite. Frequentei casas de suingue por dois anos, praticamente todo fim de semana — diz ele, que se identifica como pansexual (orientação afetiva e sexual relacionada a um desejo por pessoas, independentemente de sexo biológico e identidade de gênero).
Bala de goma proibida
Masetti lembra que, num dia em que saiu “desprevenido” e sem a autoconfiança habitual, não foi difícil buscar “ajuda”:
— O uso dessa substância dentro da casa de suingue passou a ser tão comum que, num dia em que eu estava inseguro, pensei: “Vou pegar um negocinho”. Logo me disseram: “O cara do bar vende”. É lucro certo. Ele compra uma cartela por R$ 11, vende comprimidos a R$ 20 cada e fatura R$ 100.
Apesar de os médicos alertarem para os riscos do uso do remédio sem indicação de um médico, a tadala caiu no gosto do público ainda via manifestações culturais. No último carnaval, não passaram despercebidas fantasias inspiradas no remédio; na música, canções do piseiro ao funk carregam o nome do medicamento no título ou nos refrãos. Recentemente, quando empresários tentaram se apropriar da substância no ramo alimentício, a Anvisa travou a jogada. Há dois meses, foi publicada em Diário Oficial uma resolução que proíbe a fabricação, a distribuição, a manipulação, a propaganda e o uso de uma bala de goma à base de tadalafila — o produto chegou a ser divulgado por influenciadores nas redes.
Especialistas apontam que o uso recreativo e sem prescrição médica podem causar, além de efeitos físico-químicos no organismo, dependência psicológica. Os próprios usuários dizem ter consciência de que a insegurança subiu demais à cabeça.
— Soube de um homem que tomou muita tadala e morreu na casa de suingue. Ele tinha misturado com álcool e outras drogas. É uma prática que se torna viciosa: há grandes chances de o cara que toma a primeira vez voltar — afirma Masetti. — Quando parei de usar, me dediquei à necessidade de focar no desejo em quem está ali e de estar bem mentalmente.
Em resposta ao GLOBO, a prefeitura do Rio diz realizar fiscalizações diárias para coibir vendas ilegais e para apreender mercadorias mediante flagrante. Além de serem alvos da Seop e da Guarda Municipal, ambulantes que comercializam o medicamento também estão suscetíveis a penalidades dos órgãos policiais e sanitários.
O Globo
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