27/02/2024

ESPAÇO DO LEITOR


CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO OU CABIDES DE EMPREGOS ELEITOREIROS?  

Inicialmente insta afirmar que a Constituição Federal dispõe, em seu art. 37, II, que a investidura em cargo ou emprego público depende de prévia aprovação em concurso público. Entretanto, sabiamente previu o legislativo, "situações atípicas”, visando o bem do serviço público e a sua sustentabilidade, daí permitindo algumas excepcionalidades, inserindo normas constitucionais que fogem à regra do concurso público para o ingresso de servidores no âmbito da Administração Pública. É o caso da CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA, da qual discorreremos nos relatos seguintes:.  Por se tratar de uma exceção à regra, a Carta Magna em seu art. 37, IX regulamenta a contratação temporária, nos termos seguintes:
Art. 37, IX: “A lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”.
Salientando-se que a contratação temporária deve preencher 03 (três) requisitos: Necessidade temporária, excepcional interesse público, e hipóteses expressamente prevista em lei.
A atividade temporária pode ser explicada como aquela que não está relacionada com as atividades essenciais de necessidade permanentes da Administração, e em que uma vez realizada e atendida o seu fim e o seu tempo previsto se esgote para a Administração Pública em função do objeto que originou a contratação. É o caso clássico da contratação de servidores para a realização de pesquisas e estatísticas do IBGE.
A necessidade excepcional está conectada a uma situação de imprevisibilidade, em que a Administração Pública não era capaz de perceber tal ocorrência, decorrente de caso fortuito ou força maior. Por exemplo, atualmente tem ocorrido uma grande proliferação do mosquito Aedes Aegypti, causador de doenças como dengue ,Chikungunya, etc. Sabendo que a saúde pública é uma atividade permanente dos entes estatais, mas que, neste momento, diante da falta de servidores concursados que possam atuar no combate, e não havendo tempo hábil para realização de concurso público, admite-se a contratação excepcional de pessoal.
Quanto à lei autorizativa, compete aos Estados e aos Municípios editar as suas respectivas leis sobre o assunto, garantindo-se a plena aplicação do dispositivo constitucional, segundo o que se contém em cada entidade para a sua administração.
Salienta-se que a contratação temporária é regida por regime especial no âmbito federal pela Lei nº 8.745 de 09 de dezembro de 1993.
Tecidas as considerações acima mencionadas, frisemos que a realidade acaba por ser outra. Muitos gestores se utilizam deste instrumento para burlar a lei. Não são raras as contratações forjadas de temporários, que na verdade atendem uma necessidade permanente no serviço público. Diante de tanta reincidência desse tipo de contratação pública, esse costume [ilegal] da Administração, passou a se tornar “normal”. É muito comum, sobretudo, em pequenas cidades, onde o gestor usa a excepcionalidade dos contratos temporários para tergiversar a lei.
Consequentemente e a partir daí, que surge a interrogação in caso: Estamos realmente diante de necessidade temporária de excepcional interesse público ou diante de um “cabide de empregos” com “interesse” de angariar votos?  Por exemplo, no município de Santa Maria do Salto, estado de Minas Gerais, com cerca de 5.000 habitantes, pela “primeira vez” na sua história, por meio do Concurso Público nº 02/2009 realizado em 2013, houve um certame transparente e dentro dos ditames procedimentais. Ocorre que, nem todos os candidatos aprovados dentro do número de vagas foram nomeados. Todavia, há robustos indícios de que há inúmeros servidores contratados de forma temporária exercendo funções que são permanentes. Vale lembrar que isso é uma velha característica dos gestores dos município, todos eles, fazem estes tipos de contratações, sobretudo, em proximidade de pleito eleitoral. Aparentemente, a mazela se torna difícil de ser combatida, diante de um Poder Legislativo totalmente ineficiente, omisso, subserviente, muitas vezes cúmplice e, um Ministério Público carente de pessoal e sobrecarregado, tendo que atender a diversas comarcas paralelamente. Mas, a indagação continua: Por que quando se realiza concurso, não se determina cargos e funções em quantidade para suprir as necessidades imediatas ? e principalmente, por que quando se realiza concurso não há convocação dos candidatos aprovados dentro do número de vagas?

Neste seguimento, muitas vezes, para não convocar os aprovados, o gestor se respalda na alegação da ausência de necessidade da Administração. Mas, muitas vezes também, os mesmos cargos seguem sendo exercidos por funcionários contratados temporariamente, sendo renovados ano a ano, o que se leva a um escancarado ato de ilegalidade.

A ADIn nº 2.987 ajuizada contra a lei nº 9.186/93, do estado de Santa Catarina, quando de seu julgamento em 2004, firmou o seguinte precedente:
“é inconstitucional o dispositivo legal que se utilize do disposto no artigo 37, IX, da Constituição Federal para possibilitar a admissão de servidores para funções ordinárias e para funções permanentes”.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no Agravo de Instrumento nº1.0686.12.011473-7/001, decidiu que “a excepcionalidade prevista só comporta situações realmente emergenciais, sendo vedada a contratação temporária de forma genérica de servidores, com a finalidade de atendimento de necessidade permanente da Administração Pública”. Ademais, a Administração no momento em que celebra tais contratos, deixa de observar a diversos princípios constitucionais, entre eles o da isonomia, tendo em vista que mitiga o igual direito de todos concorrerem ao cargo público; bem como, ao princípio da impessoalidade, haja vista, na maioria das vezes serem contratados aqueles próximos por motivos pessoais ou por motivos “políticos”.

Neste diapasão, o fato é mais grave do que parece ser, vez que, configura um verdadeiro ato de improbidade administrativa, já que o gestor no exercício de suas funções, deve sempre atuar em consonância com os princípios da moralidade e honestidade administrativa, por força do disposto no § 4º, art. 37, da Constituição. Este dispositivo é regulado pela Lei nº 8429/92, que dispõe sobre os atos de improbidade administrativa, classificando-os em três grupos: os que dão ensejo a enriquecimento ilícito; os que geram prejuízos ao erário; e os que ofendem os princípios da Administração Pública.

Por fim, entendo que essa prática tão corriqueira constitui uma verdadeira afronta ao Estado Democrático de Direito. Além disso, majoritariamente, os contratos temporários, ao invés de atenderem à necessidade temporária de excepcional interesse público, atendem na verdade ao interesse pessoal e eleitoreiro do chefe do executivo e do seu clã político.


Murilo Ferreira de Araújo

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