Entenda mais sobre demência frontotemporal - a doença que afeta a memória
Há uma semana, o país se comoveu ao saber que Maurício Kubrusly, um dos jornalistas mais populares da televisão brasileira, convive com uma condição especial: ele tem Demência Frontotemporal (DFT), uma doença neurodegenerativa que altera a capacidade cognitiva do indivíduo e afeta seu poder de captação e manipulação da comunicação. Aos 77 anos, ele é portador de uma deficiência que abrange de 5% a 10% dos casos de síndromes demenciais. A DFT é a segunda causa de demência degenerativa em pacientes abaixo de 65 anos – só perdendo para a Doença de Alzheimer. O avanço é lento, portanto, exige atenção aos sinais.
“O surgimento da DFT está relacionado com mecanismos bioquímicos e genéticos que afetam determinadas proteínas envolvidas com o funcionamento dos neurônios”, resume o médico neurologista Marcos Lima de Freitas. A genética e as alterações cerebrais podem influenciar o desenvolvimento da doença, que atinge os lobos frontais e temporais do cérebro, responsáveis pela execução de ações com intencionalidade, “freios sociais” e linguagem, memória, capacidade visual e auditiva.
Sintomas
Os sintomas podem aparecer a partir dos 50 anos, e variam segundo as áreas do cérebro afetadas. Marcos Lima ressalta que os primeiros sinais dizem respeito às mudanças de comportamento. “Há desinibição, perda da autocrítica, apatia, irritabilidade, comprometimento de funções executivas como planejamento, organização, raciocínio, capacidade de julgamento e de solução de problemas entre outros sintomas, podem ser as primeiras manifestações”, explica.
Em muitos casos, as alterações de comportamento são confundidas com surtos psiquiátricos, ressalta o neurologista. Por exemplo: pode ocorrer no indivíduo uma mudança súbita de hábitos alimentares, como aumento de apetite e ingestão de doces. Outro sintoma é o comprometimento da linguagem que evolui de forma lentamente progressiva.
“O paciente passa a apresentar dificuldade para interagir com outras pessoas por não compreender assuntos de maior complexidade, ou por dificuldade para se expressar”, diz o médico. O paciente é o primeiro a perceber essa dificuldade e, com o passar do tempo, a dificuldade passa a ser percebida pelas pessoas mais próximas.. Há problemas de compreensão, produção verbal e nomeação, oscilações de humor e falta de autocontrole. À medida que a doença progride, a deterioração cognitiva torna-se mais perceptível, afetando a memória e o pensamento abstrato.
Diagnóstico
O diagnóstico de DFT é baseado na avaliação médica e exames físicos. As informações trazidas pelo paciente e pelos familiares próximos serão os primeiros elementos de suspeição diagnóstica. Poderá ser necessário um período de observação para um diagnóstico provável. “Temos alguns exames complementares, especialmente de imagem cerebral, que podem auxiliar no diagnóstico. Ainda não temos um exame que confirme de forma definitiva esse diagnóstico. Dispomos apenas de marcadores relativos que auxiliam nisso”, diz.
A confirmação da doença pressupõe uma série de mudanças e adaptações na vida do paciente e de quem o cerca. Segundo Marcos Lima, são muitas as medidas de apoio que podem ser adotadas no sentido de amenizar o impacto dos sintomas. O médico sugere a criação rotinas através de atividades prazerosas que possam repercutir no bem estar do paciente, evitando sobrecarga de tarefas.
Recomenda-se também o estímulo da prática de atividade física e mental. “Para os pacientes que apresentam comprometimento da linguagem, será necessário um acompanhamento fonoaudiológico. A busca pelo conhecimento a respeito da doença trará segurança para as pessoas que cuidam diretamente do paciente”, afirma o neurologista.
O tratamento da Demência Frontotemporal é complexo, não há cura definitiva. Marcos Lima explica que não há medicamentos capazes de bloquear o processo degenerativo. O tratamento medicamentoso é exclusivamente sintomático. “Existem medicamentos que atuam produzindo contenção química para as alterações comportamentais. Outros medicamentos podem melhorar a ansiedade, a depressão e a qualidade do sono, quando necessário”, diz.
Para DFT não há medidas preventivas capazes de evitar o surgimento da doença. “Porém, há evidências de que hábitos de vida saudáveis podem reduzir os impactos das doenças neurodegenerativas”, enfatiza. Terapias não farmacológicas, como terapia ocupacional e psicoterapia, podem auxiliar na adaptação a mudanças na vida diária. Uma abordagem multidisciplinar, com envolvimento de médicos, neuropsicólogos, fonoaudiólogos e assistentes sociais, é essencial para o tratamento eficaz.
O médico confirma que em alguns casos a forma de apresentação pode dificultar o diagnóstico diferencial entre a Doença de Alzheimer e a DFT, mas elas são diferentes. “Ambas são doenças neurodegenerativas. No entanto, os mecanismos bioquímicos e genéticos são distintos e a apresentação clínica também difere”, completa.
Reservas cognitivas
O caso de Maurício Kubrusly chamou a atenção não só pela fama do jornalista, mas também por se tratar de uma pessoa ativa, de leituras intensas, e grande atividade mental. Não é algo que torne alguém “imune” à doença, mas pode atenuar os sintomas. “Existem recursos cognitivos adquiridos ao longo da vida que formam a reserva cognitiva. Indivíduos habituados com a leitura e envolvidos com atividades intelectuais em grau moderado a intenso, apresentam uma maior reserva cognitiva e consequente atenuação dos sintomas, quando acometidos de demências neurodegenerativas”, explica.
Marcos Lima diz que ainda não há estudos de prevalência ou incidência da DFT no Brasil ou no RN. Mas ele cita um estudo realizado na cidade de Catanduva, sobre a prevalência de demência em uma população comunitária, com idade acima de 65 anos. “Mostrou que apenas 2,5% dos pacientes com quadro de demência apresentavam diagnóstico de DFT – mesmo sabendo que ela é a segunda causa desse tipo de doença nas pessoas”, conclui.
TN
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