Fim do auxílio emergencial, 50% dos argentinos na linha de pobreza e ajuste econômico duríssimo faz a vice Cristina Kirchner se afastar de Alberto Fernandez
Em recente reunião com empresários e em meio a negociações com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o ministro da Economia da Argentina, Martin Guzmán, revelou o que muitos temiam: o país caminha para um ajuste duríssimo, talvez o maior já implementado por um governo peronista. A fala de Guzmán vazou e desencadeou a segunda reação negativa pública da vice-presidente Cristina Kirchner desde que o governo de Alberto Fernández assumiu o poder.
Enquanto pairam sobre a Casa Rosada fortes rumores sobre a tensão entre o chefe de Estado e sua vice, Cristina tornou evidentes suas divergências com Fernández e o Gabinete, tentando descolar sua imagem de uma crise econômica dramática que, segundo projeções privadas, já elevou a taxa de pobreza do país a 50%.
O embate político ocorre em momentos em que a pandemia causa estragos. A Argentina já tinha até ontem 36.106 vítimas da Covid-19. São 796 mortes por milhão de habitantes, a 4ª pior taxa do mundo, superando até o Brasil. Descontrole sanitário e economia mergulhada num buraco que parece não ter fundo — um cenário delicado para o presidente, que, diante dos ataques de quem deveria ser aliado e, também, de uma oposição forte e combativa, vem pedindo “tranquilidade” à população.
— Todos devem ter a tranquilidade de que o Estado vai acompanhá-los, vai estar do lado dos que mais precisam — declarou Fernández.
Dias antes, seu ministro da Economia confirmara a suspensão da Renda Familiar de Emergência, que socorreu quase 10 milhões de argentinos (de um total de 44 milhões de habitantes), desde o começo da pandemia. Segundo Guzmán, “é preciso manter certo equilíbrio”.
Ele é um dos alvos preferidos de Cristina, que tem usado o Congresso para mostrar-se, em alguns casos, na contramão do Executivo. A preocupação da vice e de sua tropa são as eleições legislativas de 2021, teste crucial que determinará as facções mais bem posicionadas no peronismo para as presidenciais de 2023.
— Cristina está descontente com o governo e não quer pagar o custo político da crise — afirmou Ignácio Labaqui, professor da Universidade Católica Argentina (UCA).
Ele lembrou que, na primeira carta pública que divulgou, em outubro, a ex-presidente (2007-2015) deixou bem claro que “na Argentina quem decide é o presidente. Você pode gostar ou não, mas quem decide é ele”.
— Existem várias facções no peronismo, mas o kirchnerismo é o sócio majoritário do governo, e suas críticas têm impacto — enfatizou o professor da UCA.
Cristina critica e atua através de aliados no Congresso. Esta semana, por iniciativa do deputado Máximo Kirchner, filho da vice, foi aprovado na Câmara (falta passar no Senado) um imposto sobre grandes fortunas, com foco na pandemia. A proposta é, segundo analistas, uma tentativa do kirchnerismo de mostrar-se do lado do povo, enquanto o ministro da Economia acaba com programas de ajuda social e negocia um ajuste com o FMI.
O GLOBO
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