26/04/2020

SP: COVID-19 - DOBRA NÚMERO DE MORTES EM CASA DURANTE PANDEMIA

Em São Paulo, número de mortes em casa dobra durante pandemia de Covid-19

Socorristas do Samu preparam cadáver de mulher idosa que morreu com suspeita de estar contaminada pelo novo coronavírus Foto: Yan Boechat
Socorristas do Samu preparam cadáver
de mulher idosa que morreu com suspeita
de estar contaminada pelo novo coronavírus
Logo depois de acordar, no feriado de 21 de abril, Rogério da Silva Filho, de 44 anos, sentiu-se mal e caiu no banheiro de seu apartamento, na Zona Sul de São Paulo.

Ana Cristina Silva, sua mulher, conseguiu carregá-lo para a cama, mas em poucos minutos Rogério morreu. Levou oito horas até que o corpo fosse retirado e transportado para o cemitério da Praia Grande, litoral de São Paulo.

— O único problema que ele tinha era a pressão alta, mas estava controlada. De repente ele se foi, é difícil de acreditar — conta Ana Cristina, que passou quatro horas ao lado do corpo do marido até a chegada do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu).

Como em todos os casos assim, o corpo de Rogério foi preparado por médicos e enfermeiros do Samu: foi despido, desinfetado com uma solução de água com hipoclorito de sódio e colocado em um saco plástico. Ficou assim por mais quatro horas no quarto, até que o serviço funerário o levasse direto para o cemitério, onde foi enterrado ao lado dos pais, depois de uma cerimônia simples.

Rogério havia recebido o resultado positivo para a Covid-19 poucos dias antes de morrer. Parecia estar se recuperando bem. Por duas vezes ele havia ido ao Hospital Cruz Azul, na região central da capital, onde trabalhava como analista de sistemas. Nas duas vezes foi instruído a voltar para casa e acompanhar os sintomas.

O caso revela um novo drama causado pela pandemia. São Paulo, cidade mais afetada pela doença no país, tem registrado um número crescente de pessoas que morrem em casa vítimas do novo coronavírus.

Entre os dias 10 e 20 de abril, o Samu emitiu 20 atestados de óbito para moradores da capital que faleceram em seus domicílios com sintomas claros da Covid-19. Todos foram testados para a doença, mas alguns resultados ainda não ficaram prontos.

— As mortes que nós registramos como Covid-19 eram casos em que havia muito poucas dúvidas de que se tratava de uma evolução causada pelo novo coronavírus ou casos em que os pacientes já haviam testado positivo — diz, sem se identificar, um dos diversos médicos do Samu que agora são responsáveis por emitir os atestados de óbito.
Subnotificação

Para o médico, o número real de falecimentos relacionados ao vírus é maior do que o registrado pelo próprio Samu:

— A verdade é que em uma pandemia é impossível saber se os outros casos não estavam também relacionados com a Covid-19.

No mesmo período de dez dias, o Samu emitiu outros 120 atestados de óbito nas residências de São Paulo. Trata-se do dobro do que era registrado em intervalo de tempo semelhante antes da pandemia. Em nenhum desses casos houve teste para Covid-19, ainda que alguns entrem na lista de suspeitos.

Segundo médicos e enfermeiros do serviço entrevistados pelo GLOBO ao longo dos últimos dias, o número de mortes domiciliares relacionadas à Covid-19 cresceu ainda mais nesta última semana.

O Samu não divulgou dados da emissão de atestados de óbito entre os dias 20 e 24. Foi no dia 18 de abril, um sábado, que os médicos do Samu perceberam um aumento nos casos.

— Apenas no meu último plantão, dos sete atendimentos que fiz, quatro eram para atestar o óbito de pessoas que tinham sintomas compatíveis com os da Covid-19 — conta o médico Francis Fuji, diretor médico do Samu, ao fim do seu plantão semanal no dia 11: — Estamos vendo pessoas que apresentavam sintomas leves, que foram ao hospital e naquele momento não havia necessidade de atendimento, mas que perderam sua capacidade pulmonar muito rapidamente e vieram a óbito.

Desde o dia 10 o Samu é responsável por emitir os atestados de óbitos de todos os moradores da capital que morrem em casa. Em tempos normais, essa era uma atribuição do Serviço de Verificação de Óbitos (SVO) da prefeitura.

Todos os corpos resultantes de mortes não violentas seguiam para o SVO, onde médicos legistas faziam uma necrópsia para identificar a causa. Só então os corpos eram liberados para o serviço funerário.

O Globo

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