10/03/2020

BOLSONARO SERÁ PROCESSADO POR REPÓRTER DA FOLHA

Repórter da Folha processa Bolsonaro por danos morais após ofensa com insinuação sexual

Macaque in the treesA repórter Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo, apresentou à Justiça uma ação com pedido de indenização por danos morais contra o presidente Jair Bolsonaro. O motivo é o ataque a ela com ofensa de cunho sexual e a reprodução do insulto em rede social dele.

Também em decorrência de ataques de conotação sexual, os advogados de Patrícia iniciaram processos cíveis contra Hans River do Rio Nascimento, ex-funcionário de uma agência de disparos de mensagens em massa, e Allan dos Santos, apresentador do canal online Terça Livre.

O ponto de partida da ofensiva contra a repórter foram as declarações feitas por Hans à CPMI das Fake News, no Congresso, em 11 de fevereiro.

Hans trabalhou para a Yacows, empresa especializada em marketing digital, durante a campanha eleitoral de 2018.

Em dezembro daquele ano, reportagem da Folha baseada em documentos da Justiça e em relatos de Hans mostrou que uma rede de empresas, entre elas a Yacows, recorreu ao uso fraudulento de nomes e CPFs de idosos para registrar chips de celular e assim conseguir o disparo de lotes de mensagens em benefício de políticos.

Em seu depoimento no Congresso, além de dar informações falsas à CPMI, Hans insultou Patrícia, uma das autoras dessa reportagem.

"Quando eu cheguei na Folha de S.Paulo, quando ela [repórter] escutou a negativa, o distrato que eu dei e deixei claro que não fazia parte do meu interesse, a pessoa querer um determinado tipo de matéria a troco de sexo, que não era a minha intenção, que a minha intenção era ser ouvido a respeito do meu livro, entendeu?", afirmou Hans a deputados e senadores, em sessão com transmissão ao vivo.

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Bolsonaro, aproveitou a fala de Hans para difundir as ofensas e fazer insinuações contra a repórter da Folha, tanto no Congresso como em suas redes sociais.

"Eu não duvido que a senhora Patrícia Campos Mello, jornalista da Folha, possa ter se insinuado sexualmente, como disse o senhor Hans, em troca de informações para tentar prejudicar a campanha do presidente Jair Bolsonaro. Ou seja, é o que a Dilma Rousseff falava: fazer o diabo pelo poder", disse Eduardo.

Uma semana depois, foi a vez de Bolsonaro invocar a fala de Hans e ofender a jornalista com insinuação sexual.

"Ela [repórter] queria um furo. Ela queria dar o furo [risos dele e dos demais]", disse o presidente, em entrevista diante de um grupo de simpatizantes em frente ao Palácio da Alvorada. Após uma pausa durante os risos, Bolsonaro concluiu: "A qualquer preço contra mim".

Segundo texto da ação judicial contra o presidente, as mentiras de Hans na CPMI foram imediatamente difundidas através das redes sociais e, dias depois, ganharam enormes proporções após a fala do presidente.

"No rastro dessa difusão de ofensas e mentiras, o presidente da República, em mais um ato em que desconsidera completamente a liturgia do cargo que ocupa, assumiu para si o discurso ofensivo, desrespeitoso e machista contra Patrícia na sua matinal entrevista em frente ao Palácio da Alvorada", alega a defesa da repórter da Folha.

"Os danos sofridos por Patrícia são gravíssimos, podendo ser facilmente constatados diante do assédio sem precedentes sofrido por ela após a manifestação do presidente", diz outro trecho da ação.

Os advogados de Patrícia afirmam que "os danos morais, no caso em tela, além de servirem como reparação pela ofensa à honra e dignidade da autora, também devem possuir um caráter punitivo pedagógico, com o intuito de desestimular a conduta indevida do réu e de terceiros, sabendo que terão de responder pelos danos causados".

Na ação civil específica contra o ex-funcionário da Yacows, a defesa da jornalista afirma que "o réu [Hans] se vale de evidente injúria sexual, de cunho machista, na tentativa de desmerecer a autora, o que tem efeitos sociais graves para além dos danos individuais, e merece dura reprimenda".

A terceira ação cível de reparação por danos morais foi apresentada contra Allan dos Santos, apresentador do programa Terça Livre, no Youtube.

Segundo a petição inicial do processo, edição do Terça Livre veiculada em 12 de fevereiro teve como título "O Prostíbulo em Desespero" e propagou novas informações falsas sobre o episódio envolvendo Hans.

Ante o fato de Patrícia ter apresentado em reportagem as mensagens trocadas com Hans, autenticadas por meio de ata notarial, que desmentiam a versão dada por ele na CPMI, "o réu [Allan] mentiu ao afirmar que as mensagens trocadas entre Patrícia e Hans River foram 'forjadas' e 'um golpe'", alega a defesa de Patrícia.

O texto da petição relata que Allan passou a incentivar seus seguidores a publicarem montagens e imagens sobre o tema, e traz a reprodução de um post dele no Twitter com os dizeres: "Não deixe o meme morrer, não deixe o meme acabar. O morro foi feito de meme, o meme que faz a gente zoar. Continue com os memes hoje, por favor".

Os três processo cíveis, que contam com o suporte da Folha, têm como fundamento legal o artigo 186 do Código Civil, que enquadra como ilícitos os atos daqueles que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violarem direito e causarem dano a outras pessoas, ainda que exclusivamente moral.

Nas causas cíveis contra Bolsonaro e Hans, o valor pedido de indenização é de R$ 50 mil. Na demanda relativa a Allan também é indicada como ré a pessoa jurídica Terça Livre, e o montante do ressarcimento requerido é de R$ 100 mil.

Os processos estão tramitando na Justiça estadual de São Paulo.

Nas petições iniciais, Patrícia se compromete a doar metade das indenizações que eventualmente receber ao Instituto Patrícia Galvão de Comunicação e Mídia, que atua na defesa dos direitos das mulheres.

Segundo a advogada Taís Gasparian, integrante da defesa de Patrícia, "uma semana depois de a Folha de S.Paulo ter desmentido Hans, apresentando provas de que o que disse era mentira, o presidente da República dá uma entrevista e reafirma a ofensa, em tom de zombaria".

"Não satisfeito em propagar uma mentira, o presidente ainda posta o vídeo da entrevista na sua página do Facebook, que obviamente possui repercussão nacional e internacional."

"A indicação de que a jornalista teria oferecido sexo como modo de facilitar sua atividade profissional é infame e muito grave. Hans, Allan dos Santos e o presidente da República ofenderam não apenas a jornalista, mas todas as mulheres, tocando em um ponto muito sensível à sociedade brasileira, que é a violência contra a mulher", afirma Taís.

FolhaPress

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