Reação a desvios do INSS precisa ir além do ressarcimento
Entre 2019 e 2024, cerca de R$ 6,3 bilhões foram surrupiados de 4,1 milhões de aposentados e pensionistas do INSS, de acordo com as estimativas preliminares. O dinheiro era desviado por meio de descontos ilegais nos contracheques, realizados por sindicatos e associações, sob os olhos da diretoria do instituto e do ex-ministro da Previdência Carlos Lupi, que pediu demissão na semana passada. A investigação da Polícia Federal (PF) e da Controladoria-Geral da União (CGU) expôs uma sucessão de crimes, erros e omissões que não podem passar impunes. Diante das evidências, o governo demorou a agir. Agora reage de forma atabalhoada para reparar os danos.
Até o momento, as investigações não citam Lupi, que permaneceu no cargo por nove dias após a operação da PF e da CGU. Desde o início de 2023, ele estava ciente das fraudes. Sobre a omissão, disse ao GLOBO que “no governo, tudo é demorado”. Chefe licenciado do PDT, ele acabou pressionado a pedir demissão apenas na última sexta-feira, quando a oposição já havia reunido as assinaturas suficientes para abrir uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso.
Agora o Planalto tem pressa. É irresistível a tentação de lançar imediatamente um plano de ressarcimento às vítimas. O mesmo governo que ignorou as denúncias que se acumulavam quer usar de imediato o dinheiro do contribuinte para tapar o buraco. Mas é preciso haver critério. Não pode haver ressarcimento sem comprovação de fraude. E causa perplexidade que a eficiência, tão em falta para evitar os desvios e investigar as denúncias, apareça de repente na hora de distribuir bilhões de reais. A súbita generosidade do Planalto reflete o interesse evidente de reduzir o impacto eleitoral do escândalo, patente em seu alcance. É defensável que o governo reembolse os beneficiários lesados, mas é ainda mais necessário que recupere na Justiça os valores desviados.
Em vez de pensar no efeito nas urnas em 2026, a prioridade do governo neste momento deveria ser outra: investigar a fundo os desvios. Já dá para afirmar que o roubo de aposentados e pensionistas foi de grandes dimensões. Casos assim acontecem em instituições com controles em frangalhos. Quem teve participação dentro e fora do INSS? Quantos foram os lesados? As perguntas se acumulam. Seria surpreendente se o desconto nos contracheques fosse o único golpe aplicado com a conivência ou participação de funcionários do INSS.
Todos os que pedem aposentadoria e, de uma hora para outra, começam a receber ligações ininterruptas de várias empresas sabem como são tratados dados sigilosos no INSS. A ação do governo não deve se limitar aos planos para ressarcimento. É necessário examinar de forma preventiva tudo o que cheira mal e criar mecanismos eficazes de controle. Tudo isso justifica a criação da CPI sobre o caso no Congresso. Se as brechas que permitiram as fraudes não forem fechadas, é praticamente inevitável que novos escândalos venham à tona mais adiante.
O Globo
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