Cuidado com o refluxo; ele pode virar câncer
Uma condição inicialmente incômoda, que pode se tornar algo perigoso se não for devidamente diagnosticada e cuidada: o refluxo, ou Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE), atinge até 20% da população adulta do país, segundo a Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG). Quando sintomas como azia, queimação, dor torácica e vômitos são elevados ao nível de estado crônico, é preciso investigar a origem do problema e procurar tratamento adequado. Sem os devidos cuidados, a DRGE pode evoluir para quadros mais graves como esofagite e câncer de esôfago.
A doença do refluxo se caracteriza pelo retorno de ácido gástrico, gás ou alimento, do estômago para o esôfago. Segundo a gastroenterologista e endoscopista Lícia Villas Boas Moura, a condição pode ser decorrente de vários fatores, como incontinência da válvula que separa os dois órgãos, hérnia de hiato, doenças motoras do esôfago, e fatores comportamentais. A DRGE não tem causas genéticas comprovadas e nem é ocasionada por patógenos externos, como vírus e bactérias.
A ocorrência do refluxo crônico se dá na maioria das vezes por malformações anatômicas e musculares no sistema digestivo. É o caso da chamada ‘hérnia de hiato’, uma falha num músculo esofágico inferior, que funciona como uma válvula localizada entre o esôfago e o estômago. A função dessa válvula é justamente impedir que o alimento retorne para o esôfago.
O refluxo por má formação no sistema digestivo também pode ser potencializado por diversos fatores, como maus hábitos alimentares, obesidade (que eleva o risco de refluxo por causa do aumento da pressão abdominal), consumo de bebidas alcoólicas, tabagismo, idade avançada (com a qual se associam mais os distúrbios motores) e o uso de alguns medicamentos que podem relaxar a área de transição entre esôfago e estômago.
“O sobrepeso e a obesidade têm impacto importante sobre a DRGE”, explica a médica. As pessoas com refluxo devem evitar deitar-se após as refeições, evitar ingestão de líquidos e bebidas gaseificadas na hora das refeições e alimentar-se no máximo até três horas antes de dormir.
Os alimentos mais impactantes são cafeína, gorduras, doces, chocolate, condimentos picantes e álcool. “Importante ressaltar a influência do cigarro, tanto na DRGE como no câncer de esôfago”, diz.
Há grupos mais vulneráveis à doença, como idosos, pacientes com distúrbios motores (como os diabéticos), com polifarmácia (uso simultâneo de múltiplos medicamentos), obesos e sedentários – principalmente pelo risco de broncoaspiração com complicações tipo pneumonia, causa frequente de internações e óbitos em idosos.
Sintomas
Os sintomas mais comuns do refluxo são a sensação de queimação no peito e a regurgitação (comida voltando à boca), mas há outros sinais menos óbvios, segundo Lícia Moura, que merecem atenção, como: dor no peito, tosse crônica, vômitos intensos, rouquidão, dor na garganta, pigarro, dificuldade de ganhar peso, e sintomas semelhantes a rinite e asma.
A gastroenterologista ressalta que outras doenças também podem apresentar os mesmos sintomas. A principal delas é a pirose funcional, em que há uma alteração na sensibilidade do esôfago ou uma alteração na comunicação do eixo cérebro-esôfago, sem uma exposição ácida aumentada. “A avaliação de um médico é essencial para a diferenciação de tais sintomas”, completa.
A DGRE pode levar a outros sintomas como a má qualidade do sono e o agravamento de doenças pulmonares como pneumonia, bronquite e asma. Em situações ainda mais graves, quando a doença persiste por muito tempo sem tratamento adequado, pode levar a um caso de esôfago de Barrett, ou então adenocarcinoma esofágico, que seria o câncer de esôfago.
Lícia afirma que a esofagite por refluxo é uma das causas mais frequentes de visita ao consultório do gastroenterologista. “É importante um diagnóstico bem-feito e um tratamento adequado, uma vez que o refluxo crônico pode levar à esofagite em graus variáveis, estreitamento do esôfago, além de modificações celulares que podem levar ao câncer”, enfatiza.
A médica explica que o exame “padrão ouro” para diagnóstico de doença do refluxo, é a PH metria esofágica de alta resolução, uma vez que até 70% das pessoas com refluxo podem ter uma endoscopia normal para o esôfago. “Isso não quer dizer que os pacientes não devam fazer a endoscopia; devem sim, pois esta possibilita avaliar o grau de comprometimento do esôfago pelo DRGE e auxiliar na escolha do tratamento ideal”.
Além da mudança de hábitos, o tratamento é feito com inibidores ácidos, medicamentos que ajudam no esvaziamento gástrico, podendo ser de uso periódico, prolongado ou por demanda. Quanto ao tratamento cirúrgico (cardioplastia por videolaparoscopia), tem indicação em situações especiais que devem ser avaliadas pelo especialista, segundo Lícia. “Hoje há técnicas de tratamento pela endoscopia, que cuida ainda de algumas complicações da doença, como os estreitamentos esofágicos e o esôfago de Barrett”, diz.
Autoconhecimento
O empresário José Anchieta Júnior convive há mais de 15 anos com o refluxo crônico. Ele afirma que lidar com a doença há tanto tempo o levou a um processo de autoconhecimento de seu corpo e hábitos comportamentais e alimentares. “Para lidar com o refluxo crônico, eu passei a cuidar muito melhor da minha alimentação, do meu sono, e também a querer saber a origem do que estava acontecendo no meu corpo”, afirma.
A alimentação, obviamente, foi o que mais mudou no cotidiano de Anchieta. Ele conta que não bebe mais líquidos durante as refeições, evita pimentão verde, alho e pimenta, não come cuscuz e alimentos em geral que fermentam rápido. Ele também passou a valorizar mais os chás para digestão. “O principal nisso é se reconhecer e saber adequar as coisas. Não deixei de comer feijão, mas o que eu como passa três dias sendo preparado pra isso”, explica.
O empresário sabe que possui ‘hérnia de hiato’ e vai fazer a cirurgia para isso em breve. A expectativa é de que seus problemas com refluxo sejam totalmente sanados a partir disso. “Eu já resolvi minha conduta alimentar há anos, e com a cirurgia, acredito que o refluxo crônico não estará só controlado, mas fora da minha vida”, diz.
TN
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