27/10/2022

RECOMENDAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO - 21ª REGIÃO - NATAL


RECOMENDAÇÃO N.º 56700.2022 

INQUÉRITO CIVIL Nº 001234.2022.21.000/2 NOTICIADO: MUNICÍPIO DE CEARÁ-MIRIM TEMAS: 06.02.05. - Outros tipos de assédio ou violência no trabalho (campo de especificação obrigatória), Especificação: Assédio Eleitoral O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 21ª REGIÃO, neste ato representado pelo Procurador do Trabalho signatário, no exercício das atribuições que lhe conferem os artigos 127 e 129 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB), bem como os artigos 6º, inciso XX, e 84 da Lei Complementar n.º 75/1993 (Lei Orgânica do Ministério Público da União), 

CONSIDERANDO que o Ministério Público do Trabalho tem por incumbência a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, o que inclui a promoção da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e da justiça social nas relações laborais (CRFB, artigos 1º, III e IV, 127, caput, e 170); 

CONSIDERANDO que ao Ministério Público do Trabalho compete a adoção das medidas de natureza extrajudicial e judicial necessárias ao alcance daquelas finalidades, notadamente a expedição de Recomendações, a instauração de Inquérito Civil Público, a proposição de Termo de Ajustamento de Conduta, bem como o ajuizamento de Ação Civil Pública, nos moldes do artigo 129, III e VI, da CRFB, dos artigos 6º, VII, XIV e XX, e 83, III, da Lei Complementar n.º 75/1993, além dos artigos 1º e 5º, I, § 6º, da Lei n.º 7.347/1985; 

CONSIDERANDO que a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 repele a discriminação sob quaisquer de suas formas (arts. 1º, 2º e 7º), na medida que toda pessoa é digna de igual consideração e respeito; 

CONSIDERANDO que a Convenção n.º 111 da Organização Internacional do Trabalho – OIT (Decreto n.º 10.088/2019, Anexo XXVIII), norma de status supralegal, que versa sobre a discriminação em matéria de emprego e profissão, em seu artigo. I, “a”, proíbe “toda distinção, exclusão ou preferência, com base em raça, cor, sexo, religião, opinião política, nacionalidade ou origem social, que tenha por efeito anular ou reduzir a igualdade de oportunidade ou de tratamento no emprego ou profissão”; 

CONSIDERANDO que a República Federativa do Brasil é um Estado Democrático de Direito, que tem por fundamentos, dentre outros, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e o pluralismo político (CRFB, art. 1º, II, III, IV e V) e possui como um dos seus objetivos o de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (CRFB, artigo 3º, IV), consagrando o direito à não discriminação no âmbito das relações de trabalho (CRFB, artigo 5º, XLI e 7º, XXX); 

CONSIDERANDO que no Brasil a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos (CRFB, art. 14), razão pela qual o texto constitucional resguarda a liberdade de consciência, de expressão e de orientação política (CRFB, art. 1º, II e V), protegendo o livre exercício da cidadania, notadamente por meio da livre escolha de candidatas ou candidatos no processo eleitoral, garantindo sua proteção contra qualquer retrocesso (CRFB, art. 60, §4º, inciso II); 

CONSIDERANDO que a ordem jurídica nacional protege a relação de emprego em face de atos arbitrários, tendo como primados da ordem econômica a valorização do trabalho e a busca do pleno emprego (CRFB, arts. 7º, I, 170, caput, VIII, 193; Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, art. 6º; Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos da ONU, art. 25; Protocolo de São Salvador, arts. 6º e 7º, "d"); 

CONSIDERANDO que a eficácia vertical e horizontal dos direitos fundamentais e que os direitos e garantias expressos na Constituição Federal de 1988 não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (art. 5º, § 3º, CRFB); 

CONSIDERANDO que a Convenção nº 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), aplicada por força do art. 8º da CLT, reconhece que a violência e o assédio no mundo do trabalho designa um conjunto de comportamentos e práticas inaceitáveis, ou de ameaças de tais comportamentos e práticas, seja quando eles se manifestam uma única vez ou de maneira repetida, que tenham por objeto, que causem ou sejam suscetíveis de causar, um dano físico, psicológico, sexual ou econômico (art. 1º), configurando violações ou abusos aos direitos humanos; 

CONSIDERANDO que a proteção contra a violência e assédio abrange a todas as pessoas do mundo do trabalho, empregados ou não, ou seja, qualquer que seja a sua situação contratual: as pessoas trabalhadoras em geral, estagiários, aprendizes, terceirizados e trabalhadores despedidos, voluntários, as pessoas que buscam emprego ou candidatos a emprego, as pessoas que exercem função de autoridade, funções ou as responsabilidades de um empregador (C. 190/OIT, art. 2º); 

 CONSIDERANDO que a violência e assédio podem ocorrer nos mais diversos espaços relacionados ao ambiente de trabalho, tais como: o lugar de trabalho (públicos ou privados), os locais de pagamento, repouso, refeitórios, sanitários, vestuários, os deslocamentos, espaços de formação, as comunicações relacionadas ao trabalho (incluídas aquelas difundidas por tecnologias da informação e comunicação), o alojamento e os trajetos da casa para o trabalho (C. 190/OIT, art. 3º); 

CONSIDERANDO que a Convenção 190 da OIT estabelece, em seu artigo 5º, o dever de respeitar, promover e realizar os princípios e os direitos fundamentais no trabalho, nomeadamente a eliminação da discriminação relativamente a emprego e à profissão, haja vista a violência e o assédio serem ameaças à igualdade de oportunidades e, portanto, inaceitáveis e incompatíveis com o trabalho decente, que deve se pautar pelo respeito mútuo e pela dignidade do ser humano; 

CONSIDERANDO que Lei 9.029/1995, proíbe, expressamente, “práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho”, prevendo reparação, a título de dano moral, em favor das vítimas de tais práticas (art. 4º), 

CONSIDERANDO que a utilização do contrato de trabalho para o exercício ilícito de pressão ou para impedimento da fruição de direitos, de interesses ou de vontades do empregado, é prática que viola a função social do próprio contrato, prevista como baliza para os atos privados em geral, conforme o art. 5º, inciso XXIII, e art. 170, inciso III, ambos da Constituição Federal de 1988, bem como o art. 421 do Código Civil, que dispõe que “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”; 

CONSIDERANDO que a concessão ou promessa de benefício ou vantagem em troca do voto, bem como o uso de violência ou ameaça com o intuito de coagir alguém a votar ou não votar em determinado(a) candidato(a), configuram atos ilícitos e fatos tipificados como crimes eleitorais, conforme artigos 299 e 301 do Código Eleitoral, tal como o ato de “impedir ou embaraçar o exercício do sufrágio (o artigo 297 do Código Eleitoral), os quais preveem penas de detenção e multa; 

CONSIDERANDO que a Lei 13.188/2015 assegura ao ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social, o direito de resposta ou retificação, gratuito e proporcional ao agravo (art. 2º e art. 3º, § 3º, art. 4º), de modo que determina que a resposta ou retificação atenda, quanto à forma e à duração, ao seguinte:

I - praticado o agravo em mídia escrita ou na internet, terá a resposta ou retificação o destaque, a publicidade, a periodicidade e a dimensão da matéria que a ensejou; 

II - praticado o agravo em mídia televisiva, terá a resposta ou retificação o destaque, a publicidade, a periodicidade e a duração da matéria que a ensejou; 

III - praticado o agravo em mídia radiofônica, terá a resposta ou retificação o destaque, a publicidade, a periodicidade e a duração da matéria que a ensejou.

CONSIDERANDO a Lei 13.188/2015, no art. 2º, § 3º, afirmar que a retratação ou retificação espontânea, ainda que a elas sejam conferidos os mesmos destaque, publicidade, periodicidade e dimensão do agravo, não impedem o exercício do direito de resposta pelo ofendido nem prejudicam a ação de reparação por dano moral; 

CONSIDERANDO a Nota Técnica Coordigualdade/MPT nº 01/2022 e o caráter inibitório do presente instrumento, bem como a atribuição do Ministério Público do Trabalho para buscar a responsabilização de quem pratica assédio na esfera trabalhista; 

RECOMENDA ao MUNICÍPIO DE CEARÁ-MIRIM a adoção das seguintes providências: 

01. GARANTIR, imediatamente, o respeito a trabalhadores e trabalhadoras que lhe prestam serviços diretamente (inclusive servidores efetivos ou comissionados) ou por empresas terceirizadas, do direito fundamental à livre orientação política e à liberdade de filiação partidária, na qual se insere o direito de votar e ser votado; 

02. ABSTER-SE, imediatamente, por si ou por seu representante, de adotar qualquer conduta que, por meio de promessa de concessão de benefício ou vantagem, assédio moral, discriminação, violação da intimidade, ou abuso do poder diretivo ou político, tenha a intenção de obrigar, exigir, impor, pressionar, influenciar, manipular, induzir ou admoestar trabalhadores e trabalhadoras que lhe prestam serviços diretamente (inclusive servidores efetivos ou comissionados) ou por empresas terceirizadas a realizar ou a participar de qualquer atividade ou manifestação política, em favor ou desfavor de qualquer candidato ou candidata ou partido político; 

03. ABSTER-SE, imediatamente, de, por si, ou por seus prepostos, discriminar e/ou perseguir quaisquer dos trabalhadores, por crença, convicção política, de modo que não sejam praticados atos de assédio ou coação eleitoral, no intuito de constrangimento e intimidação, tais como exemplificativamente:

a. ameaças de perda de emprego e benefícios; 

b. alterações de setores de lotação / funções desempenhadas; 

c. questionamentos quanto ao voto em candidatos e partidos políticos; 

 d. estabelecer o uso de uniformes ou vestimentas que contenham dizeres alusivos em favor ou desfavor de qualquer candidatura ou partido político. 

e. estabelecer a utilização de qualquer outro material de divulgação eleitoral (canecas, adesivos, etc) durante a prestação de serviços.

04. O Município deverá, em até 48h (quarenta e oito horas), DAR AMPLA E GERAL PUBLICIDADE desta Recomendação, a Nota Técnica Coordigualdade/MPT n.º 01/2022 e a cartilha em anexo, mediante divulgação por edital em local visível em quadro de avisos do Município, bem como e-mail, whatsapp, telegram e/ou qualquer meio eficiente de comunicação individual ou mediante recibo de trabalhadores e trabalhadoras, de modo a atingir a integralidade do grupo de pessoas que lhe prestam serviços (inclusive servidores efetivos e comissionados) diretamente ou por empresas terceirizadas, sugerindo-se, inclusive, que seja dada ciência pessoal a todos os secretários e demais pessoas que ocupam algum cargo de chefia, determinando que adotem providências para o cumprimento e divulgação da presente recomendação no âmbito de todos os seus órgãos. 

05. COMPROVAR, através de seu prefeito ou prefeitura, a retratação ou retificação espontânea quanto aos fatos relatados em Notícia de Fato, com os mesmos destaques, publicidade, periodicidade e dimensão do gravo, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, a contar do recebimento da presente recomendação. 

06. O Município deverá, no prazo de 24 (vinte e quatro horas) horas a contar do término do prazo do item 4, COMPROVAR nos autos do Inquérito Civil em epígrafe a adoção das providências indicadas no item 4 (art. 10 da Resolução CNMP nº164/2017);

A presente recomendação será objeto de fiscalização, advertindo-se, desde já, que o não cumprimento ensejará a adoção das medidas administrativas e judiciais cabíveis pelo Ministério Público do Trabalho, com vistas à defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, sem prejuízo da apuração da responsabilidade criminal pelos órgãos competentes. 

NATAL/RN, 21 de outubro de 2022. 

Francisco Marcelo Almeida Andrade 

PROCURADOR DO TRABALHO

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