18/05/2020

AS AMEAÇAS DO MANDATO DE BOLSONARO 'MORAM AO LADO'

Família virou uma ameaça ao mandato de Bolsonaro

Em nome dos filhos: as interferências de Bolsonaro | A GazetaFilho é mais ou menos como sarampo. Quando você tem, precisa cuidar direito. Do contrário, deixa sequelas para o resto da vida. Jair Bolsonaro moldou os filhos à sua imagem e semelhança. Criou problemas. Ao transformar o Planalto num puxadinho de casa, permitiu que os filhos influenciassem o rumo do seu governo. Desenvolveu um fascínio pelo caminho do brejo.

O primogênito Flávio Bolsonaro atribuiu ao “desespero de Paulo Marinho”, seu suplente no Senado, a revelação que borrifou gasolina na crise inaugurada com a saída de Sergio Moro do governo. Marinho disse ter ouvido do próprio Flávio que um delegado da Polícia Federal vazou com antecedência para os Bolsonaro a informação de que Fabrício Queiroz tornara-se alvo de investigação criminal.

Pode-se achar que Paulo Marinho decidiu comportar-se como delator porque ambiciona a poltrona de Flávio no Senado, como insinua o Zero Um. Ou porque tornou-se candidato do PSDB à prefeitura do Rio. Mesmo assim, o primogênito do presidente continua devendo explicações sobre os fatos que levaram o Ministério Público do Rio a anotar em documentos oficiais que funcionava em seu gabinete uma “organização criminosa”.

Houve um dia em que Bolsonaro poderia ter desarmado a bomba relógio da rachadinha, tomando a trilha da moralidade que prometera na campanha presidencial: 12 de dezembro de 2018. Já eleito, o capitão declarou numa de suas aparições ao vivo nas redes sociais o seguinte:

“Se algo estiver errado —seja comigo, com meu filho ou com o Queiroz— que paguemos a conta deste erro. Não podemos comungar com erro de ninguém. (…) O que a gente mais quer é que seja esclarecido o mais rápido possível, que sejam apuradas as responsabilidades, se é minha, se é do meu filho, se é do Queiroz. Ou de ninguém.”

Se tivesse continuado nessa linha, Bolsonaro arcaria com parte do custo da encrenca. Mas teria a oportunidade de definir quanto ele, o filho e o faz-tudo pagariam. Com a vantagem de realizar a assepsia antes da posse, blindando o mandato presidencial. O diabo é que o capitão decidiu dar marcha a ré. Com isso, enfiou a bomba dentro do seu governo. A tentativa de regatear elevou o custo.

Decorridos 17 meses, Flávio Bolsonaro já recorreu dez vezes à Justiça para tentar arquivar ou trancar a investigação. Obteve vitórias parciais que deram a falsa impressão de que seria possível até anular as provas. Mas acabou perdendo todas as apostas.

Nesse meio tempo, o caso agravou-se. Já era grave quando se restringia à suspeita de apropriação indevida de pedaços dos contracheques de assessores de Flávio. Subiu de patamar quando se descobriu que o filho mais velho do presidente tem apreço por milicianos. Complicou-se ainda mais com a suspeita de lavagem de dinheiro por meio da aquisição de imóveis.

Aliados mais fieis a Bolsonaro alegam em defesa da família que, ainda que as acusações se revelem verdadeiras, o estrago será pequeno se comparado com o mensalão e o petrolão. O argumento é tosco. A transgressão é proporcional ao tamanho do cofre ao qual o transgressor tem acesso. A honestidade, de resto, é como a gravidez. Nenhuma mulher pode estar um pouquinho grávida, como não se pode ser um pouco honesto.

As revelações de Paulo Marinho encostaram a rachadinha no inquérito sobre a interferência política de Bolsonaro na Polícia Federal. A Procuradoria-Geral da República mandou investigar. A Polícia Federal abriu novo procedimento.

Parlamentares de oposição peticionaram ao ministro Celso de Mello, do Supremo, pedindo que as delações não premiadas de Sergio Moro e de Paulo Marinho sejam esquadrinhadas num mesmo inquérito.

Simultaneamente, Moro sustenta que o combo anti-Bolsonaro precisa incluir também o inquérito sobre fake news, que corre no Supremo sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes. Nele, a PF roça os calcanhares de vidro de parlamentares bolsonaristas e do filho Zero Dois do presidente, Carlos Bolsonaro, braço digital da indústria de crises do Planalto.

A família tornou-se uma ameaça ao mandato presidencial de Bolsonaro. O que ajuda a explicar a avidez com que o presidente tenta remodelar o organograma da Polícia Federal, num derradeiro esforço para evitar o surgimento de alguma “sacanagem” capaz de “foder minha família toda ou amigo meu.”

O amigo Queiroz, a propósito, tornou-se a ausência mais presente na atual crise. Ainda ecoam nos subterrâneos de Brasília os áudios que o faz-tudo dos Bolsonaro permitiu que escoassem pelo WhatsApp em outubro do ano passado. Num deles, Fabrício Queiroz queixou-se de desamparo.

Ele declarou: “Não vejo ninguém mover nada para tentar me ajudar… O MP tá com uma pica do tamanho de um cometa para enterrar na gente.”

Ex-policial militar, Queiroz manteve com Bolsonaro uma amizade de 35 anos. Flávio serviu-se da assessoria do personagem por 11 anos. Agora, a despeito dos milhões de indícios em contrário, pai e filho acham que não devem nada a ninguém. Muito menos explicações.

Filho, como realçado no início do texto, é como sarampo. Quando você tem, precisa cuidar direito. Do contrário, sujeita-se às sequelas. Entre elas surdez, cegueira e redução da capacidade mental. No momento, seria muito arriscado para os Bolsonaro fazer ouvidos moucos, fechar os olhos ou fingir-se de maluco diante dos alertas do amigo Queiroz.

JOSIAS DE SOUZA

Nenhum comentário: